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Lindo trabalho de atendimento em Psicanálise é oferecido gratuitamente por voluntários

Conversando a gente se entende. A frase parece um lugar comum, mas ela pode ser mais profunda do que se pensa. É a partir da conversa e do real acolhimento que é possível não só compreender mais as outras pessoas, mas também nós mesmos, nossos medos e sofrimentos.

Foi pensando em oferecer uma oportunidade para quem não tem com quem conversar e expor seus sentimentos e angústias, e também em repensar o papel dos psicanalistas e suas contribuições nas grandes cidades, que surgiu o Coletivo Estação Psicanálise, projeto em que psicanalistas voluntários realizam atendimentos gratuitos todos os sábados, na Estação Cultura de Campinas.

A ideia surgiu no ano passado, a partir do contato de um grupo de pesquisadores ligados ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, que discutia psicanálise, com a Tykhe Associação de Psicanálise de Campinas. Juntos, os grupos colocam em prática um projeto de psicanálise de rua, ou seja, uma forma de o psicanalista ter uma atuação nos espaços públicos da cidade por meio da psicanálise.

Marta Ferreira, coordenadora da Tykhe, explica que a ação não é uma adaptação do que se pratica em consultórios, ou um subproduto assistencial para pessoas de baixa renda, mas sim uma forma de os profissionais repensarem sua atuação e o papel da psicanálise no mundo contemporâneo.

“O que a gente faz, que é a psicanálise de rua, é outro tipo de intervenção. Ela vai muito mais na linha de uma ocupação do espaço urbano como um teatro de rua, há um certo apagamento desse lugar tão rígido como o consultório, onde o sujeito já chega com toda uma ideia de quem é o psicanalista, de como é a relação com o psicanalista, existe todo um script. E a clínica de rua é muito radical nesse aspecto, porque ela se baseia na palavra”, argumenta Marta.

De acordo com o grupo, atuar em espaços públicos é algo que existe desde o início da psicanálise, mas a prática é pouco difundida, até mesmo entre os profissionais. No Brasil, nomes como Hélio Pellegrino e Jurandir Freire Costa trouxeram contribuições importantes para essa perspectiva que foge do pensamento habitual sobre a psicanálise. “Essas iniciativas de clínica pública, na sua maioria, são pensadas como forma de intervenção política, a partir da psicanálise.

É pensar que não é o único modelo de psicanálise a figura do psicanalista no seu consultório privado, que recebe as pessoas com hora marcada. É uma intervenção política que procura também resgatar na própria história da psicanálise várias outras intervenções desse tipo que saiam do modelo de consultório. O próprio Freud já fazia isso”, explica Lauro Baldini, professor do IEL e um dos psicanalistas participantes.

Da esquerda para a direita: Lauro Baldini (IEL), Marta Ferreira (Tykhe) e Marcos Barbai (Labeurb)

O coletivo realiza atendimentos gratuitos todos os sábados, das 9h às 12h, na Estação Cultura. Os voluntários se revezam entre os sábados, mantendo sempre cerca de seis profissionais disponíveis para o serviço. Qualquer pessoa interessada pode participar e não é necessário fazer agendamento prévio. Os atendimentos são informais e duram o tempo em que as pessoas se sentirem confortáveis para falar de si mesmas e de seus sentimentos.

Marcos Barbai, pesquisador da Unicamp e psicanalista do coletivo, compartilha que o contato com as pessoas nos locais públicos é uma forma de valorizar os espaços que podem servir de encontro entre as pessoas. “Essa presença teórica e política reacendeu em mim a chama da cidade, é a possibilidade de fazer um investimento público na cidade de Campinas. Por isso houve a escolha da Estação Cultura, é um equipamento político, simbólico, cultural, de grande circulação. É uma possibilidade de, nesse momento social e político do país, ouvir a população da cidade, fazer uma aposta nessa população e estar ali para escutar os sofrimentos”, comenta Marcos.

A importância do diálogo

As razões que levam as pessoas aos atendimentos do coletivo podem ser várias, mas há uma motivação em comum: a angústia, que surge principalmente a partir das barreiras físicas e psicológicas, criadas pela própria sociedade, e que afastam as pessoas. Isso dificulta o diálogo e o sentimento de empatia e de pertencimento a uma comunidade. As cobranças crescentes por eficiência, sucesso pessoal e bem estar também ajudam a desencadear uma série de sofrimentos em quem não encontra momentos para desabafar. É um cenário que já chama a atenção de estudiosos, como o filósofo sul-coreano Byung-chul Han, autor do livro “Sociedade do Cansaço“.

O atual cenário brasileiro também não contribui para a saúde mental das pessoas. O ano de 2019 terminou com uma taxa de desemprego de 11,2%, o que representa 11,9 milhões de pessoas sem trabalho. O número de desalentados, pessoas que não têm perspectivas de encontrar um trabalho, é de 4,6 milhões. Nessas situações, a psicanálise pode contribuir justamente oferecendo uma oportunidade para que as pessoas ponham para fora o que tira sua paz.

“Nesse momento, no Brasil, a gente tem muitos desempregados. Então vão muitas pessoas desempregadas, sem trabalho, que precisa pagas as contas, tem família. Porque o trabalho nos dá um lugar na cidade. Como é você se ver absolutamente desprovido desse lugar? Falar do próprio trabalho também é falar de si mesmo. Então a gente tem essa possibilidade de acolher mesmo esse sofrimento desse momento de muitos desempregados brasileiros e da cidade de Campinas”, analisa Marcos.

Nem mesmo o lar e a família têm sido espaços onde as pessoas se sentem bem. Por conta da polarização na política, uma pesquisa do Datafolha verificou que 27% das pessoas se afastaram de familiares e deixaram grupos de WhatsApp por divergências de opiniões. Marta comenta que não é preciso ir muito longe para identificar as fronteiras criadas entre as pessoas. “A segregação é discursiva, então muito do sofrimento ocorre porque há segregação dentro das próprias famílias.

É a mulher que não consegue conversar com o marido, é a filha que não consegue dizer para a mãe da angústia dela, é a senhora mais idosa que não consegue dizer aos familiares o quanto ela está preocupada com uma série de coisas. Essa segregação, essa barreira, permeia de cima a baixo. É desde a censura oficial, até a censura dentro de casa e mesmo dentro do próprio sujeito que tem vergonha de dizer certas coisas”, afirma.

É por isso que a essência do trabalho do coletivo é o diálogo. Deixar que as pessoas falem de seus problemas e ouvi-las com atenção é o faz a diferença na busca pelo bem estar. “As pessoas ficam muito surpresas. Elas não supõem que aquilo que elas vivem, que elas carregam, possa ter alguma importância. O muro que nós construímos na sociedade é tão grande que as pessoas carregam um sofrimento indizível. Teve uma senhora, eu fiquei até comovida, porque ela pegou na minha mão e falou: ‘olha, muito obrigada!’ Nunca supus que eu fosse parar para escutar uma pessoa como ela, uma dona de casa”, comenta Marta.

Todos no mesmo barco

Quem já passou por uma depressão, ou período de maior dificuldade emocional, sabe bem que é uma falácia a ideia de que, para superar esses problemas, basta querer. Além de serem questões sérias e que precisam de acompanhamento profissional, os fatores que desencadeiam ansiedade, depressão ou até síndrome do pânico, estão centradas nas relações sociais do cotidiano e, por isso, prejudicam todas as pessoas.

Por essa razão, ao levar a psicanálise para os espaços públicos, o coletivo também busca sensibilizar para a importância do sentimento coletivo, de que todos são responsáveis pelo bem estar de todos. “Essa ressignificação dos espaços públicos que a gente faz é uma tentativa de mostrar que aquele sofrimento, aquele mal estar que a pessoa relata não é individual, não é um problema dela. É um problema da cidade, de como ela está concebida, quais são os muros da cidade, de como se dá a segregação na cidade.

Aquilo já é cidade, a pessoa poder contar seus sofrimentos e poder sair um pouco desse discurso neoliberal de que seu sofrimento é seu, depende do que você vai fazer, de que você precisa dar conta”, afirma Lauro.

Além de realizarem os atendimentos gratuitos aos sábados, o grupo também se reúne quinzenalmente para discutir casos e formas de ação e também manterem o estudo constante da psicanálise. Entre os dias 10 e 12 de junho, eles também realizam na Unicamp o “Encontro dos Coletivos de Psicanálise”, evento que pretende reunir grupos de todo o país que levam o diálogo e a escuta às ruas de grandes cidades e que buscam contribuir para que as pessoas possam encontrar, em si mesmas e nas outras, mais conforto e serenidade.

Fonte: unicamp.br

Fãs da Psicanálise

A busca da homeostase através da psicanálise e suas respostas através do amor ao próximo.

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