A experiência de quase cinco anos no Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital levaram a juíza Ana Luisa Schmidt Ramos ao trabalho que resultou no livro “Violência Psicológica contra a mulher – o dano psíquico como crime de lesão corporal”.

A magistrada conta que observava, nas vítimas, alguns sinais que iam além da violência física, mas até então, não havia processos que tratassem da violência psicológica. “Sem nenhuma ação versando especificamente sobre o tema, isso me intrigava e instigava. Naquele tempo, me questionava porque tantas mulheres permanecem nestes relacionamentos tão conflituosos, violentos e opressores”, relata a autora, agora no 1º Juizado Especial Cível do Foro Desembargador Eduardo Luz, na Capital.

Em resposta a essa questão, Ana Luisa decidiu voltar à universidade e cursar a faculdade de psicologia. Na primeira oportunidade de realizar um trabalho de pesquisa, não teve dúvidas: o tema seria violência psicológica contra a mulher. O trabalho tratou do dano psíquico como um configurador de lesão corporal, previsto no artigo 129 do Código Penal como “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.

A magistrada trabalhou a partir da definição de saúde dada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que prevê o bem estar físico, mental e social da pessoa. Assim, defende que o dano psíquico está englobado neste conceito. “Então toda vez que houver uma ofensa à saúde mental de alguém, pode estar configurado sim, o crime de lesão corporal”, conclui Ana Luisa.

Porém, o tema exigia ainda muitos desdobramentos como, por exemplo, a delimitação dos sintomas que poderiam caracterizar o dano psíquico. O crime de lesão corporal é uma lesão física e, por isso, deixa vestígios que podem ser observados e registrados por meio de um laudo médico que estabelece a relação entre as lesões e o depoimento da vítima. No caso do dano psicológico, um laudo também seria exigido. Um psicólogo seria o responsável por avalizar a probabilidade dos sintomas apresentados pela vítima estarem relacionados à violência psicológica sofrida no ambiente doméstico.

Para elencar os prováveis sintomas a serem considerados, a juíza buscou auxílio na literatura do campo da Psicologia. O estudo concluiu que o dano psíquico estaria caracterizado se fossem observados sintomas relacionados ao transtorno de estresse pós-traumático, diagnosticado através de critérios da Organização Mundial da Saúde – OMS. Esse é um distúrbio estressor, relacionado a um evento específico. “O livro traz um caminho a ser seguido: o laudo psicológico deve ser feito como produção antecipada de provas, o que pode embasar denúncia pelo Ministério Público, acrescida de provas durante a instrução processual. Assim, o juiz tem condições de prolatar com segurança a sentença”, explica.

Relacionamentos conflituosos

Um dos elementos mais comuns nos casos de violência doméstica é o chamado “ciclo da violência”. O conceito foi cunhado pela psicóloga americana Lenore Walker, e prevê três fases: tensão, explosão e calmaria. Primeiro, há a tensão no relacionamento até que a explosão resulta em agressões e, na sequência, há a fase de pedido de perdão e aceitação pela mulher. Pela teoria, este ciclo se repete por várias vezes e, quanto mais ele ocorre, mais difícil fica para a pessoa sair do relacionamento.

A magistrada avalia que a violência psicológica pode ser até pior para a mulher, porque tem consequências mais devastadoras do que uma violência física leve. “O tratamento é mais demorado e muitas mulheres não percebem que são vítimas. Muitas até se acham culpadas das situações que sofrem”, explica a autora.

Mesmo assim, a juíza aponta que mais importante do que a vítima se reconhecer na situação, é o poder público estar preparado para acolher estas mulheres. “A rede de atendimento precisa estar preparada e as instituições têm que ter condições para isso. Senão, estaremos revitimizando estas pessoas, porque se vítima não está sendo bem recebida e acolhida, ela volta para o que ela conhece”, pondera.

“Quando você está numa circunstância ruim e encontra outra coisa ruim, aprende que não adianta se mexer, não adianta sair do lugar porque não vai ter saída. A pessoa para sair de um ciclo de violência, em que ela está oprimida ou violentada, precisa olhar para frente e ter fé no futuro e acreditar que saindo dali, algo muito bom e melhor vai acontecer”, finaliza a juíza.

Sentença: um precedente para casos de violência

Em setembro de 2019, a juíza Ana Luisa viu o resultado concreto de seu trabalho retratado na sentença do magistrado Marcelo Volpato de Souza, atual titular do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital. A partir de laudo psicológico fundamentado, ele condenou um ex-marido à pena de sete anos de detenção pelos crimes de lesão corporal contra idosa e dano qualificado. O casal conviveu por nove anos, sempre com registros de agressão verbal e psíquica contra a mulher.

“A sentença passa a ser um precedente para outros casos semelhantes a esse”, afirmou a juíza. “Não podemos deixar isso no silêncio. Não acredito no Direito Penal como a cura para todos os males, que isso vá resolver a questão. Não. Pelo contrário. Acho que o Direito Penal tem que ser o último caminho a ser perseguido, mas a partir do momento em que há violência, não pode ser esquecido”, enfatizou Ana Luisa.

(Fonte: amc.org.br)
(Imagem: Divulgação)

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1 COMENTÁRIO

  1. Caros, que “capital” é essa a que se referem por uma ou duas vezes? Têm que perceber que um artigo é escrito para uma população heterogênea e capilarizada, quando se trata principalmente de texto em internet. Parabéns a essa Juíza pelo profissionalismo dela e pela ótima representação no seu papel de Agente Público.

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