Jamais seremos os mesmos novamente

A pandemia COVID-19 vai, possivelmente, nos transformar como sociedade para sempre. Assim como o HIV, que mudou para sempre como fazemos sexo, também os efeitos do COVID-19 serão duradouros, transformando hábitos de comportamento, convívio social, relações de trabalho, consumo, acesso a cultura, esporte e entretenimento, além de alterar a forma como estudamos e adquirimos conhecimento. Vai alterar a maneira como acompanhamos nossa saúde, particular e pública, bem como os órgãos públicos nos monitoram. E aprofundar ainda a forma como incorporaremos a vida socialmente apartada ao nosso cotidiano, pessoal e profissional, como nunca antes.

Nós, cidadãos, vamos mudar. O Estado vai mudar. As empresas vão mudar. Parte de tudo voltará ao normal. Parte, jamais será a mesma coisa.

No curto prazo, já percebemos com clareza o impacto óbvio em coisas bem cotidianas, como ir a restaurantes, cafés, bares, baladas, festas, academias, hotéis, teatros, cinemas, lojas, supermercados, shopping centers, museus, concertos e festivais, instalações esportivas, eventos e conferências, transporte público, escolas,, universidades, enfim, você sabe tanto quanto eu. Podemos acrescentar muita coisa ainda a essa lista.

As mudanças, no entanto, deverão se estender no tempo, tornando-nos mais reticentes ao convívio aberto em qualquer local com maior concentração de gente. O que inclui toda a lista de atividades aí acima, impactando não só no jeitão geral de tocamos nossas vidas, como também, diretamente e por consequência, na performance de todos esses serviços e negócios.

Os vírus vieram para ficar

Fato é que, não percebemos ainda, mas mesmo depois de termos passado pelo pior e, se tudo der certo, termos algum remédio que controle os efeitos da doença (em alguns meses, possivelmente) e a vacina definitiva para o vírus (18 meses, é o que dizem), infelizmente muitas baixas de vidas depois, perceberemos que não vamos mais fazer nenhuma dessas coisas de forma exatamente igual a como fazíamos antes da doença.

Leia, por favor, este artigo, “We´re not going back to normal” (link lá embaixo).

O autor, Gideon Lichfield, é o editor chefe do MIT Technology Review’s, para mim uma das maiores referências editoriais do momento para, bem, praticamente tudo que é revelante e vale a pena ler para entender o mundo em que passamos a viver.

Gideon diz coisas assim ….

“Social distancing is here to stay for much more than a few weeks. It will suspend our way of life, in some ways forever.”

Gideon Lichfield, editor chefe do MIT Technology Review’s
Ele se preocupa mais com algo que me preocupa menos (quer dizer, me preocupa pra cacete, mas não é meu ponto aqui), que é o fato de que, mesmo que encontremos a vacina, o coronga vai encher o nosso saco recorrentemente.

Aí ele mostra este gráfico abaixo, de resto, presente em vários artigos que todos já lemos sobre o assunto.

A graph of weekly ICU cases over time.
Ou seja, o vírus pode (e deve) ser recorrente de tempos em tempos. Não vamos extirpá-lo do nosso convívio de vez.

Bom, a má notícia é que todos os vírus incrementais dos tempos contemporâneos descrevem curvas recorrentes idênticas. Não será exclusividade do coronga.

HIV/Aids, Ebola, Sars de todos os tipos e tantos outros, além de suas mutações sem fim (0 COVID-19 da China não é exatamente o mesmo que está nos infectando aqui no Brasil, por exemplo) irão seguir aparecendo daqui para frente em nossas vidas para sempre.

Não é o coronga o culpado. Ele é apenas mais um oportunista hospedeiro da nossa vida contemporânea. Outros inúmeros, fatalmente, virão.

Por que?

Porque viramos globais. Migramos mais, viajamos mais, temos mais contato do que nunca (mesmo diante da sociedade virtual), somos numericamente mais do que sempre, e a população global segue crescendo. Isso é o campo ideal de proliferação de todos esses vírus contemporâneos com os quais estamos aprendendo a conviver.

O fato do mundo ter ficado pequeno e sem fronteiras nos ferrô.

Alguns desses vírus são antigos conhecidos nossos, outros são efeito puro da contemporaneidade das sociedades atuais.

Com o incremento das correlações sociais globais internacionalmente ativas como nunca em nossa História, caímos na armadilha da nossa própria evolução como espécie (o Harari fala sobre isso claramente em todos os seus livros)

Bom, resumindo o meu lado epideomologista aqui, é o seguinte … os contágios de tudo isso terão um só vetor daqui para a frente: pra cima.

Como deverá ficar tudo, afinal?

O efeito disso em nossas atividades em geral será importante.

Nas empresas, a possibilidade de que gestores e colaboradores estudem com maior atenção trabalho remoto deverá se potencializar.

Em tese, diante de várias experiência já bem sucedidas em várias empresas de Home Office, já se sabia que há vantagens e benefícios tanto para um lado, como para o outro, do trabalho longe do escritório.

De agora em diante, é provável que, para setores específicos de sua operação, as empresas entendam que talvez seja melhor passar da teoria para a prática.

Já no que tange ao Estado, quem coloca melhor a questão é Yuval Noah Harari em seu artigo “The world after coronavirus”, no The Financial Times, cujo resuminho dele mesmo é … “This storm will pass. But the choices we make now could change our lives.”

Você já deve ter lido esse imperdível artigo dele (se não, o link está lá embaixo … thanks for sharing Maria Laura), mas destaco aqui o trecho que me interessa neste momento.

“Humankind is now facing a global crisis. Perhaps the biggest crisis of our generation. The decisions people and governments take in the next few weeks will probably shape the world for years to come. They will shape not just our healthcare systems but also our economy, politics and culture. We must act quickly and decisively. We should also take into account the long-term consequences of our actions. When choosing between alternatives, we should ask ourselves not only how to overcome the immediate threat, but also what kind of world we will inhabit once the storm passes. Yes, the storm will pass, humankind will survive, most of us will still be alive — but we will inhabit a different world.

In this time of crisis, we face two particularly important choices. The first is between totalitarian surveillance and citizen empowerment. The second is between nationalist isolation and global solidarity.

Ou seja, ao Estado caberá ser Big Brother ou um Estado solidário, provedor da solidariedade. Difícil dizer o que vai prevalecer, mas certamente vai depender dos líderes políticos de plantão em cada Nação. A sorte está lançada.

Para Gideon, reagiremos assim: “We’ll adapt to and accept such measures, much as we’ve adapted to increasingly stringent airport security screenings in the wake of terrorist attacks. The intrusive surveillance will be considered a small price to pay for the basic freedom to be with other people.”.

Eu acrescentaria que nos habitaremos a tudo isso como precisamos nos habituar ao uso da camisinha.

À mão de ferro do Estado, no entanto, jamais!

Os socialmente desassistidos sofrerão mais
Como lembra apropriadamente Gideon, quem sofrerá mais no médio e longos prazos com tudo isso, como infelizmente é o que sempre acontece (temos já visto relatos sobre esse lado nos noticiários diariamente) serão os pobres e socialmente mais desassistidos.

“As usual, however, the true cost will be borne by the poorest and weakest. People with less access to health care, or who live in more disease-prone areas, will now also be more frequently shut out of places and opportunities open to everyone else. Gig workers—from drivers to plumbers to freelance yoga instructors—will see their jobs become even more precarious. Immigrants, refugees, the undocumented, and ex-convicts will face yet another obstacle to gaining a foothold in society.

The world has changed many times, and it is changing again. All of us will have to adapt to a new way of living, working, and forging relationships. But as with all change, there will be some who lose more than most, and they will be the ones who have lost far too much already. The best we can hope for is that the depth of this crisis will finally force countries to fix the yawning social inequities that make large swaths of their populations so intensely vulnerable.”

O Upside disso tudo
Por outro lado, veio a reboque desse aprendizado específico, um outro, enormemente maior, que foi como trabalhar coletiva e colaborativamente em escala global, numa planilha aberta, open source – como já nos ensinou há anos a indústria tecnológica de desenvolvimento de softwares – no desenvolvimento de soluções para um problema comum.

“The world has never learned as fast about anything, ever”, nos assegura Tomas Pueyo, Master of Science em engenharia por Stanford. em um dos artigos teóricos e científicos mais completos sobre o impacto do vírus tornado público recentemente, chamado “Coronavirus: The Hammer and the Dance”, em que martelo é a porrada que temos que dar no vírus o quanto antes para que ele não se alastre descontroladamente, e dança é como as estatísticas vão oscilar, dançando de país para país, situação para situação, dependendo de como as autoridades reajam com maior ou menor eficiência diante da pandemia (link mais abaixo … obrigado Marcelo Salles e Marcio Malmegrin por compartilharem)

Nos últimos dias e semanas, meio sem fronteiras geográficas e/ou políticas e/ou ideológicas, cientistas, acadêmicos, pesquisadores, órgãos públicos e inciativa privada, trabalharam juntos pelo bem comum da Terra e de seus sofridos habitantes.

O mundo virou um grande Google Docs. E aprendemos que isso pode ser altamente útil e velozmente produtivo para a conquista incremental de conhecimento.

O vírus se reproduz e se alastra, em determinado estágio de sua evolução, em um ritmo exponencial.

Pois nós humanos fizemos o mesmo. Como lembra Harari … “decisions that in normal times could take years of deliberation are passed in a matter of hours”.

Acredito fortemente que parte desse aprendizado irá se incorporar às práticas de acesso e difusão de novos conhecimentos a partir de agora.

Se, por um lado, aprendemos o que já sabíamos antes por experiências anteriores, que num mundo conectado como o nosso de hoje, disseminam-se inadvertidamente informações inverídicas e danosas para o coletivo, multiplicando violentamente o pânico público, por outro lado aprendemos também essa boa coisa nova, que pode ser bem maior e mais poderosa do que o lado negro da conexão planetária, que é o lado iluminado da colaboração planetária.

Parte de nós jamais será igual depois desta pandemia. Herdaremos ganhos e perdas.

Caberá ao coletivo humano optar pelo melhor e, coordenadamente como estamos fazendo agora, rechaçar o mal e o ruim.

(*) Abaixo, links e como achar os três artigos que citei.

O do Harari, você coloca assim no seu browser … Yuval Noah Harari: the world after coronavirus | Free to read

Aqui o do Gideon

Aqui o do Tomas

(Fonte: updateordie)

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