Ter tudo sob controle é, para muitos indivíduos, a única maneira de garantir a tranquilidade. Este evitar de surpresas, este conhecimento de sequências comportamentais cria tédio, tanto quanto garante estabilidade e segurança. Inseguro quanto ao que conseguiu, sentindo-se sozinho, embora acompanhado de inúmeras pessoas, o indivíduo cria regras, senhas para garantir a manutenção de suas conquistas. A vivência de estar ameaçado é uma constante.
Este estado de contínua ansiedade, tira o sono, impede concentração e transforma a vida em uma série de acontecimentos sem unificação, sem organização. Tudo é incerto, nada significa, exceto esta nebulosidade, esta organização fragmentada e polarizada pela contabilização de perdas ou lucros.
Este processo segmenta, divide o indivíduo, desde que ele vive para conseguir, para realizar demandas e assistir a complementação das mesmas. Duplo de si mesmo (na medida em que se fragmenta tornando-se um observador das próprias conquistas e fracassos), o processo de esvaziamento se instala, pois um tem que manter o outro. A divisão em função de aparência e interesses exige imagens mantidas à custa das próprias certezas, agora transformadas em incertezas. É um processo autofágico. Imola-se o ser em função do ter, do parecer e assim se perde contato com o si mesmo, isto é, com a possibilidade de relacionamento enquanto vivência presentificada. Tudo que é vivenciado é por ou para. Os processos relacionais são transformados em configurações indicativas de bons ou maus resultados.
Pendurar-se na finalidade, no resultado é asfixiante, gera atordoamentos diante do que acontece, é a incerteza alimentadora da ansiedade, que desorganiza o dia-a-dia. Utilizam-se vários estratagemas para assegurar-se, para drenar a ansiedade: medos, compulsões, vivências obcecadas como forma de ritualizar o imponderável, como base de alguma organização que gere paz, que gere tranquilidade.
A continuidade do processo de incerteza faz com que, paradoxalmente, o indivíduo se acalme ao saber que morrerá, que tudo findará. Assim, a ansiedade encontra um freio, mas em compensação cria vivência de depressão: a única certeza é o final.
As situações de incerteza geram fantasias e justificativas. Tudo é inventado para tentar criar ordem, organização que situe e possibilite saída. Quando isto é feito, a manutenção impera, consequentemente, o isolamento aumenta. Cada vez mais sozinho, o indivíduo colapsa e seu grande acompanhante passa a ser o remédio que alivia e aplaca.
Vivenciar incerteza exige questionamento. O que mudou? O que foi transformado? O que deixou de existir ou passou a ter outra configuração? Responder estas questões traz novas percepções, novas realidades, que embora não aceitáveis ou confortáveis, possibilitam diálogo e transformação. Sem questionamento, as mudanças são negadas e, assim, cria-se nebulosidade responsável pela vivência de incertezas, labirintos a percorrer, esfringes a decifrar, movimentos a controlar, que ocupam algum tempo, que motivam, mas, depois, tensionam e entediam.
A monotonia do existir – a desvitalização – deprime.
(Autora: Vera Felicidade, psicóloga)
(Fonte: wsimag.com)