Faz uns anos que eu não sei o que é carnaval, que eu uso esse feriado para esquecer do mundo, ficar em casa, desligar de tudo. Fico com preguiça de pensar em sair na rua, de pegar a estrada, de encontrar pessoas. Nem os desfiles pela TV eu assisto. Simplesmente me desligo.

Mas, outro dia desses, numa conversa com um jovem carioca apaixonado por carnaval, tive uma lembrança emocional dos tempos da adolescência em que eu passava o ano esperando para que chegasse fevereiro, chegasse essa folia. Eu aproveitava os 3 dias de festa do começo ao fim, era uma energia que não acabava mais, parecia que tinha baixado um santo em mim.

Eu perguntei para o rapaz: ‘mas o que há de bom nisso de se espremer numa multidão, num calorão de matar atrás de um trio elétrico?’

E ele encheu o olhos de sorrisos, e disse algo como:

‘Eu não sei bem, mas o carnaval é um organismo de alegria que te invade e contagia e não tem sensação igual.

O carnaval é uma pulsação. Tem que suar, dançar, esquecer que se é corpo, alma, e virar célula constituindo uma multidão que salta e vibra num mesmo ritmo. Todo mundo vira uma coisa só, uma massa de alegria.

Ninguém é de ninguém no carnaval, nem a gente da gente mesmo. E é isso que a gente quer, e é isso que a gente espera, render-se, abandonar-se, permitir-se.

A gente se agrega a uma energia, faz uma prece e se entrega à folia e que a quarta-feira de cinzas nos espere ou nos vele.

Carnaval é esquecer do céu, do chão, do umbigo. É deixar o sol queimar a pele e a chuva cair gloriosa, é pular de braço dado com um desconhecido, é a festa mais religiosa que existe, rompem-se as diferenças, todos tornam-se irmãos, amamo-nos uns aos outros como a nós mesmo. O mais importante é dançar e cantar, comemorar.

Carnaval quebra as horas dos relógios, faça lua ou faça sol é tempo de folia. No carnaval a gente usa máscara, maquiagem, fantasia, tudo como pretexto pra gente derrubar as máscaras da nossa alma, borrar a maquiagem no tempo e libertar as nossas fantasias de dentro. Jogamos pro alto como confete as expectativas, destruímos o dia de amanhã.

Hoje é carnaval, amanhã tudo se resolve, amanhã não existe! Hoje a gente é suor e sal, amor e celebração, hoje a gente canta o axé de coração aberto e voz alta, a gente dança o que tocar, até funk do tigrão.

Hoje a gente usa saia, tira a camisa, pula no mar, na piscina, se declara, sorri, beija, brinca. Ninguém julga, hoje as regras foram abolidas.

Porque o caos é tão importante quanto a calmaria. Porque a bagunça abençoa as nossas vidas, porque é importante desestabilizar tudo que é sério e adulto que cresce na gente o ano todo. Carnaval é o pretexto pra gente soltar as rédeas, soltar a franga, chutar o pau da barraca, virar criança.’

Que mais eu poderia dizer a não ser sorrir e sentir uma imensa vontade de pular carnaval este ano!

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Clara Baccarin é paulista dos interiores, nascida nos anos 80. É escritora, poeta e agitadora cultural. Faz parte do grupo editorial Laranja Original. Publicou, pela editora Chiado, o romance poético Castelos Tropicais (2015) e a coletânea de poemas, pela editora Sempiterno (2016), Instruções para Lavar a Alma. Em 2017 lança, em parceria com músicos e compositores, o álbum Lavar a Alma, que reúne 13 de seus poemas musicados. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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