Criança

A fragilidade dos laços na criança do mundo contemporâneo

Não quero mais ser o seu amigo. E o menino vai embora. E o menino, de repente, esquece do amiguinho que ia à sua casa brincar de trenzinho todos os dias. Parte-se para novas amizades, esquecido está o amiguinho de outrora. Investe-se em outras diversões como tablets e celulares. Não há mais espaço para o amiguinho.

A fragilidade dos laços na criança do mundo contemporâneo tem crescido nos últimos anos, igual a fragilidade dos laços no mundo dos adultos. As crianças não ficam mais presas a um amigo, animal ou brinquedo. Tudo é trocado por objetos tecnológicos de última geração. Não sente a criança mais tanta falta da brincadeira na praça, na rua, no campinho de futebol. Tudo passou rápido. Quem viveu essa época sabe do que falo. Era muito bom brincar de esconde-esconde no meio da rua com a iluminação da lua.

A criança não tem mais apego às suas coisas, aos seus animais e aos seus amiguinhos. Tudo é descartável, tudo é líquido, como dizia o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. O grande tempo que as crianças ficam longe dos pais não causam mais tanto sofrimento, elas se distraem com os aparelhos celulares cheios de aplicativos de jogos e redes sociais. Outro dia eu estava numa clínica e vi por duas horas uma criança brincando com o celular enquanto ao seu lado eu lia um livro pouco sem graça, talvez. As nossas crianças já não amam mais seus brinquedos como antigamente, e permitem que esses sejam abandonados ou doados sem o menor sentimento de emoção. As crianças vivem o amor líquido.

Na minha rua tem muitas crianças que brincam nas ruas, que correm ladeiras, que pulam amarelinha e que se jogam no meio de um dia de chuva, mas também percebi nesses meninos e meninas que a fragilidade dos seus laços de amizade tem crescido, pois esquecem uns dos outros rapidamente quando chega um amiguinho novo na rua ou quando chega alguma novidade no bairro o outro é deixado de lado, esquecido, abandonado. Tudo é descartável. Tudo passa rápido pela infância. As crianças não têm mais tantos amigos, como antigamente. No máximo se tem um amiguinho. E esse só é visto nos fins de semana, nos passeios nos shopping centers, nos parques de diversões ou na escola.

Não quero dizer que as crianças estão deixando de amar, não é isso. Estou querendo alertar pais e professores para o problema da fragilidade dos sentimentos das nossas crianças presas ao mundo da tecnologia e da inovação. O que é novo sempre nos chama a atenção, ficamos curiosos e admirados com a presença do novo nas nossas vidas, diante disso esquecemos o passado, com quem estávamos antes, com quem brincávamos ontem, esquecemos dos nossos amiguinhos.

Precisamos alimentar os sentimentos das crianças com afeto, com laços duradouros e fortes, com amizades que perdurem pela vida inteira, que se apeguem aos seus brinquedos e por eles tenham amor, que se apeguem aos seus objetos escolares e cuidem deles com dedicação e carinho. As crianças costumam imitar os adultos, por isso faz-se necessário uma família onde os laços de emoção e afeto sejam bem aceitos e que a criança possa se espelhar na sua família para construir os seus sentimentos de afeição pelo outro. Tenho medo de que as nossas crianças deixem de amar e aprendam a sentir pequenos e passageiros afetos.

É necessário cultivar na criança os laços duradouros de afeto por tudo o que a cerca. Aprender a cuidar e conservar as suas coisas, a respeitar os seus amigos, a cuidar de si mesmo, e a cuidar do ambiente em que vive. A todo instante nossas crianças são convidadas a trocarem de super heróis, a trocarem de roupas, a trocarem de brinquedos e de animais. A velocidade com que a mídia chega aos nossos lares proporciona o abandono do antigo pela novidade, e qual criança não gosta de experimentar o novo?

Se a criança não estiver preparada para amar delicadamente uma flor, essa correrá o risco de morrer tão logo apareça um gato. Sabemos que os laços afetivos nas crianças ainda estão em fase de construção, mas é para isso e por isso que chamo a atenção dos pais e professores para que ensinem às suas crianças a aprenderem a cuidar dos seus sentimentos. Conheço um menino que ficou meses doente devido a mudança de endereço de um amiguinho seu e quando o viu depois de passados alguns anos o abraçou com saudades, isso sim, podemos chamar de laço duradouro.

Que tenhamos tempo de ensinar às nossas crianças a cuidarem dos seus laços afetivos e que sejam fortes e intensos igual ao brincar na infância.

Rosângela Trajano

Rosângela Trajano é licenciada e bacharel em Filosofia com mestrado em literatura, escritora, ilustradora e professora de filosofia para crianças. O que mais gosta de fazer é poetizar para crianças. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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