“Antonius – Nenhum homem pode viver com a morte e saber que tudo é nada
Morte – A maioria das pessoas não pensam nem na morte ou no nada”.
(Filme O Sétimo Selo – Ingmar Bergman)

Eu sou uma cinéfila confessa. Considero a sétima arte absolutamente sublime. Como professora, considero filmes uma ótima ferramenta de auxílio para a compreensão de diversos conceitos. Os filmes não só nos divertem, mas são capazes de nos fazer refletir, favorecendo assim novas formas de lidar com questões e conflitos do nosso cotidiano.

Compartilho, então, algumas sugestões de filmes que nos convidam a uma reflexão sobre a temática da morte e do luto.

Morte: Morrer é tão somente terminar de viver.

Minha primeira indicação não é um filme, mas sim um seriado. Six Feet Under (2001) talvez seja uma das melhores séries que eu tenha assistido. O último episódio é absolutamente genial!

Seriado: “A Sete Palmos” (Six Feet Under – Alan Ball)

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A série nos revela a vida cotidiana da família Fisher, proprietária de uma funerária. A Sete Palmos mostra um drama convencional de família, lidando com assuntos como infidelidade, homossexualidade e religião. Ao mesmo tempo, distingue-se por abordar o tópico da morte de forma diferente, explorando os seus múltiplos níveis: pessoal, religioso e filosófico. Cada episódio começa com uma morte e, por consequência, um cliente da funerária. Esta morte, geralmente, dá o tom de cada episódio, permitindo aos personagens refletirem sobre as suas vidas e dilemas, baseando-se na morte do cliente e suas implicações.

Filme: “O Sétimo Selo” (The Seventh Seal – Ingmar Bergman)

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Este filme é um clássico. O Sétimo Selo ambienta-se em um dos mais obscuros e apocalípticos períodos da Idade Média europeia. Antonius Block é um cavaleiro que retorna das Cruzadas, após 10 anos, para uma Suécia devastada pela peste negra e pela Inquisição promovida pela igreja católica. Sua fé em Deus é sensivelmente abalada e enquanto reflete sobre o significado da vida, a Morte surge à sua frente querendo levá-lo, pois chegou sua hora. Contudo, para ganhar tempo, ele rejeita o fim da sua existência. Ele, então, desafia a morte para uma partida de xadrez, com o objetivo de driblá-la. Tudo depende da sua vitória no jogo e a Morte concorda com o desafio, já que não perde nunca.

Luto: Um processo que se inicia após o rompimento de um vínculo significativo e estende-se até o período de sua elaboração – quando o indivíduo enlutado se volta, novamente, ao mundo externo. O luto é um processo essencial para que nós possamos nos reconstruir, nos reorganizar, diante desse rompimento. É um desafio emocional, psíquico e cognitivo com o qual todos nós temos que lidar.

Filme: “Para Sempre” (Another Forever – Juan Zapata)

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Como especialista em luto ouso dizer que este filme é o que melhor retrata um processo de luto. Para Sempre é denso, impactante, sensível e delicado. A fotografia é de uma beleza absurda. O filme nos mostra que um processo de luto pode ser um momento de profunda introspecção, mas o enlutado não precisa vivenciar este momento como se estivesse numa “caverna”. Durante o processo essa introspecção pode ser vivenciada em lugares belos e iluminados.

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A vida de Alice é devastada quando o grande amor de sua vida morre. Amor este que fez tudo valer a pena. Após a perda, Alice embarca em uma jornada introspectiva indo das profundezas do desespero até a contemplação de pequenos prazeres, redescobrindo novas possibilidades para a vida. O cineasta Zapata percorre os caminhos da alma para falar sobre os conflitos e da dor que um processo de luto pode nos permitir. Ao longo do filme somos convidados a percorrer junto com Alice esse caminho de dores e redescobertas. Por meio do olhar investigativo de Zapata sobre a alma humana, suas raízes e a dor da perda, vamos sendo envolvidos nesse pequeno conto de um cotidiano permeado de angústias e solidão. A protagonista se desconstrói e novamente se constrói tendo nossos olhos atentos como espectador. A sensibilidade com que o tema é abordado está na categoria do indizível.

Luto Complicado: Existem situações em que o processo de luto, principalmente por morte de um ente querido, não segue a evolução normal, ou seja, o indivíduo não consegue se reestruturar, podendo ocorrer fixação numa das etapas e, consequentemente, a não elaboração do luto. Num processo de luto complicado há uma dificuldade extrema em compreender a perda.

Filme: “Manchester à Beira-Mar” (Manchester by the Sea – Kenneth Lonergan)

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Um filme interessantíssimo que nos revela as complexidades de um luto que deixou marcas profundas em Lee Chandler, o personagem central do filme. Aos poucos o espectador vai sendo convidado a adentrar pela vida de Lee que tem como base um ambiente angustiante e de uma tristeza profunda e desconcertante.

Lee é um zelador de condomínios residenciais em Boston. Infiltrações, aparelhos quebrados, vasos sanitários entupidos são problemas rotineiros em sua profissão. Ele mora em um porão e aparentemente leva uma vida desprezível. Ele não possui amigos, não gosta de seu trabalho e parece não nutrir nenhum sentimento positivo com relação às pessoas que o cercam. Temos a sensação de que Lee está sempre a olhar para o vazio e que neste vazio reside uma dor de dimensões inimagináveis. Contudo, ocorre um fato que obrigará Lee a sair de seu fosso existencial. Ele recebe a notícia de que seu irmão, Kyle, que residia em sua cidade natal Manchester, morrera vítima de uma insuficiência cardíaca crônica. Lee precisará retornar à Manchester não apenas para cuidar de todos os trâmites legais referentes ao funeral do irmão como também, cuidar de seu sobrinho Patrick. No entanto, este retorno vai se revelando embaraçoso e por meio das memórias de Lee, que são contadas em flashbacks, começamos a compreender o porquê das dores de Lee.

Luto Antecipatório: Este pode ser entendido como um processo de luto que ocorre antes da perda real. Este processo é vivenciado pelo paciente e pela família, na fase compreendida entre o diagnóstico e a morte propriamente dita.

Filme: “Pronta para Amar” (A Little Bit of Heaven – Nicole Kassel)

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Este filme conta a história de Marley Corbett, uma especialista em publicidade que mora em Nova Orleans num apartamento legal. Marley é uma jovem alegre, independente, bem-sucedida e solteira por opção. Ela possui um cachorro chamado Stanley; e muitos amigos interessantes. Ela conduz sua vida com muita leveza e bom humor, mas é surpreendida ao receber a notícia que está com uma doença grave. Marley sempre teve medo de se entregar completamente em um relacionamento amoroso. No entanto, em meio à evolução de seu quadro clínico ela descobre que é possível viver um grande amor. Essa descoberta a permite vivenciar o seu morrer de forma reveladora. Conviver com uma doença que ameaça a vida não é tarefa fácil. Contudo, quando temos consciência da morte, experienciamos a plenitude do que é viver. Marley escolheu viver até o dia de sua morte.
Gostei do senso de humor impresso no filme e adorei o funeral de Marley, aliás, acho que quero que o meu seja igual.

Luto na Terceira Idade: As perdas no último estágio da existência humana.

Leia Mais: Carl Jung responde: “podemos assumir que a consciência individual continua após a morte?”

Filme: “Último Amor de Mr. Morgan” (Mr. Morgan’s Last Love – Sandra Nettelbeck)

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Este filme nos fala de despedidas, encontros e descobertas. Mr. Morgan é um professor aposentado que mora em Paris. No entanto, por mais que more na cidade há bastante tempo, ele não fala francês. Isso se deve ao fato que, Joan sua esposa, sempre fora sua intérprete pelas ruas da capital francesa. Entretanto, Joan morreu há três anos e, desde então, Mr. Morgan vive triste e solitário, ocupando seu tempo ocasionalmente com aulas de inglês. Ele está mergulhado em uma dor tão profunda que não consegue nem mesmo perceber os dias ensolarados. Um dia, uma jovem garota chamada Pauline lhe oferece uma ajuda no ônibus, ela é uma simpática professora de dança e esse encontro muda sua depressiva rotina. Eles se tornam amigos e o teimoso Mr. Morgan vota a sorrir. Desarmado pela vitalidade e o otimismo de Pauline, o professor começa a ver a vida com outros olhos e a aprender lições improváveis, apesar de não compreender a morte da esposa e conviver espiritualmente com ela. Em suas aventuras diárias por Paris, almoços no parque e viagens, Mr. Morgan e Pauline exploram os tesouros de uma amizade verdadeira e o conforto da companhia um do outro.

O filme é um raro exemplar que traz um idoso octogenário como protagonista e, mais do que isso, abordando as angústias que uma perda nessa fase da vida pode ocasionar.

Luto pela morte de um filho: A morte de um filho, para muitos, é algo avassalador. É indizível e imensurável. Mas, após a elaboração do luto, e as memórias gravadas na alma, é possível reencontrar o equilíbrio emocional e reorganizar a vida. Dando assim, um outro sentido ao viver.

Filme: “Cake: Uma Razão para Viver” (Cake – Daniel Barnz)

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Este filme tem por temática a dolorosa experiência da perda de um filho. Cake, conta a história de Claire, uma mulher depressiva e traumatizada que sofre de dores crônicas devido a um acidente. Ela é completamente cética em relação à vida, uma pessoa amarga, intransigente, incapaz de perceber a continuação da vida à sua volta. Devido às dores ela torna-se viciada em comprimidos analgésicos.

Ela frequenta um grupo de apoio a pessoas com dores crônicas e, infelizmente, um dos membros do grupo, Nina, cometeu suicídio, deixando para trás um marido e filho pequeno. Claire sente-se atordoada por Nina ter cometido esse ato e por ter deixado a família. Ela fica obcecada pela história desta mulher.

Buscando descobrir um pouco mais sobre a vida da colega de grupo, e como se encontra a família da mesma após a perda, Claire, inconscientemente, inicia o enfrentamento do próprio luto. Aos poucos, começa uma relação inesperada com o ex-marido de Nina e eles passam a ter uma espécie de vinculação por causa dos sentimentos em comum que sentem. No entanto, Claire passa a ter alucinações com Nina e estas a fazem pensar sobre uma nova maneira de enxergar a vida.

Cake é um filme dramático e delicado que nos mostra como um luto não elaborado pode nos cristalizar e, se o indivíduo não olhar para essa dor, o processo torna-se complicado. A cena final é brilhante, pois nos mostra como um pequeno e simples gesto pode sinalizar grandes mudanças em direção a uma nova vida. Claire ergue seu olhar para novas paisagens e possibilidades.

Leia Mais: Tanatofobia: o medo excessivo da morte

Luto Infantil: A morte é inerente à nossa existência, então, precisamos falar sobre a morte com as crianças, pois em algum momento elas irão perder um ente querido ou um animal de estimação. Há também as crianças que vivem em zonas de extrema violência e que se deparam com a morte cotidianamente. Portanto, temos que prepará-las para lidar com esta situação.

Filme: “O Rei Leão” (The Lion King – Roger Allers e Rob Minkoff)

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O filme narra a história do jovem leão Simba, que se sente culpado pelo assassinato do seu pai, o rei Mufasa, e foge do seu Reino, sem saber que a morte foi orquestrada pelo seu tio Scar para tomar o poder. Este filme é um clássico e apresenta para as crianças vários sentimentos que as acompanharão pela vida: tristeza, decepção, medo, raiva, compaixão e tantos outros. No final Simba e Nala apresentam o filhote recém-nascido para os habitantes das Terras do Reino e as crianças tem a oportunidade de aprender que o ciclo da vida é composto por finais e recomeços. Este filme é um espetáculo, inesquecível!

Luto e Sexualidade: Terei a ousadia de colocar essa categoria em minha lista. Tenho lido muito sobre todos os processos que os transgêneros precisam passar para realizar a sua mudança de sexo, mas não li nada fazendo menção ao processo de luto. Quando um indivíduo toma a decisão de realizar a cirurgia de redesignação de sexo, vários vínculos serão rompidos, inclusive, com a sua própria identidade. A pessoa embarca em uma jornada íntima de autodescoberta, sobre gênero, sobre quem ela é enquanto indivíduo e seu lugar no mundo.

Filme: “A Garota Dinamarquesa” (The Danish Girl – Tom Hooper)

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Este filme nos mostra esta jornada vivida pelo pintor Einer Wegener. Ele é um jovem artista bem-sucedido na Copenhagen de 1926, casado com a também pintora Gerda. Ambos compartilham um casamento harmonioso e divertido. Certo dia, em uma tarde, a mulher que posaria de modelo para Gerda não pode comparecer à sessão, então, ela convence Einer a vestir-se de mulher para pintá-lo. Naquele instante Einer visivelmente experimenta um frisson de auto revelação. O vestido, a meia de seda e a pose feminina feita para Gerda concluir a pintura são o suficiente para fazer vir à tona a dúvida que Einer sempre tivera dentro de si e reprimira: ter ele um gosto feminino. Einer começa lentamente a mudar sua aparência, transformando-se em Lili Elbe.

No início Gerda diverte-se com a mudança do marido, o que considera ser apenas uma fantasia cross-dressing. No entanto, Einer deixa de “existir” a cada dia e Gerda vê desaparecer seu casamento. Ela sofre e se confunde, mas lhe oferece apoio incondicional até a transformação por completo de Einer em Lili, que se dá por meio de uma pioneira e arriscada cirurgia de mudança de sexo.

Esta não é apenas uma história de coragem, mas de perdas e dores. Einer, num processo dolorido, perde lentamente sua identidade e Gerda perde a companhia masculina do marido e passa a ter tantas outras perdas secundárias. Contudo, este é um filme que nos mostra que o amor é um sentimento sublime, que é capaz de nos alimentar e nos amparar nos momentos de perdas significativas e irreversíveis. O filme é delicado e possui um brilho estético fascinante.

Suicídio: O suicídio é definido como uma violência auto infligida e um ato decidido, iniciado e levado até o fim por uma pessoa com total conhecimento ou expectativa de um resultado fatal, ou seja, a morte. Segundo o CVV (Centro de Valorização da Vida), a cada 40 segundos, uma pessoa se suicida no mundo. De acordo com a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas se suicidam por ano.

Leia Mais: Pudéssemos nós aguardar a morte cheios de vida

Filme: “Elena” (Elena – Petra Costa)

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Este filme/documentário é baseado na vida de Elena, uma aspirante a atriz. Ela viaja para Nova York com o mesmo sonho da mãe: ser atriz de cinema. Deixa para trás uma infância vivida na clandestinidade dos anos de ditadura militar e deixa Petra, a irmã de 7 anos. Duas décadas mais tarde, Petra também se torna atriz e cineasta. Ela, então, embarca para Nova York em busca do resgate da memória de Elena. Por meio de filmes caseiros, recortes de jornais, diários, depoimentos e cartas Petra vai reconstruindo a história da irmã. Ela caminha pelas ruas nova-iorquinas como se estivesse em busca de um significado para ausência, ela retrata a saudade. Ela pega o trem que Elena pegava, bate na porta de seus amigos, percorre seus caminhos e, assim vai elaborando a perda da irmã. A mãe a auxilia nesta jornada de ressignificações.

Pelo olhar de Petra os espetadores vão conhecendo Elena, uma jovem que não soube lidar com suas frustrações e foi passo a passo se deixando dominar pela tristeza e angústia existencial. A beleza poética nas imagens e na trilha sonora conferem ao filme uma beleza impressionante. Petra no final nos diz – “pouco a pouco, as dores viram água, viram memória”.

Apenas a título de menção: Outros filmes absolutamente interessantes!

Luto: Caos Calmo (Caos Calmo – Antonello Grimaldi)
Luto Antecipatório: Um Momento pode Mudar Tudo (You’re Not You – George C. Wolfe)
Luto na Terceira Idade: Mrs. Henderson Apresenta (Mrs. Henderson Presents – Stephen Frears)
Luto pela Morte de um Filho: Olhos da Justiça (Secret in Their Eyes – Billy Ray)
Luto Infanto-juvenil: A Culpa é das Estrelas (The Fault in our Stars – Josh Boone)
Luto não Reconhecido: Filomena (Philomena – Stephen Frears)
Luto Perda Gestacional: O Segundo Sol ( Fabricio Gimenes e Rafaella Biasi)
Luto Perda de Amigo: Já Estou com Saudades (Miss You Already – Catherine Hardwicke)
Luto e Sexualidade: Amor por Direito (Freeheld – Peter Sollett)
Suicídio Assistido: Como eu era antes de você (Me Before You – Thea Sharrock)

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Psicóloga Especialista em Psicologia Hospitalar e Luto, Member of British Psychological Society. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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