Uma das principais pressões que a cultura nos impõe é a obrigação de ser feliz a qualquer custo emocional, psíquico e físico – e de preferência já. Empenhados em cumprir essa tarefa, às vezes sufocados por modelos prontos do que é ou não adequado, corremos o risco de nos perder em idealizações e postergações.
Não são poucos os que restringem a possibilidade de bem-estar, deixando-a para “algum dia”, em condições controladas – quando tirar férias, chegar o fim de semana, comprar isso ou aquilo, passar no concurso, viver um grande amor, mudar de emprego ou fizer aquela sonhada viagem…
Enquanto isso, o presente se esvai. Volta e meia, entre um anseio e outro, somos felizes aos solavancos. Passada a euforia da festa, do domingo, do objeto novo recém-adquirido ou do encontro com a pessoa amada, fica a sensação de que tudo se foi rápido demais, possivelmente porque no “durante” já sofríamos pelo que havia passado ou pelo que estava por vir.
Parece uma armadilha: se a gente segura a felicidade, ela se perde. Desconfio da apologia simplista da alegria pronta. Tendo a pensar num modelo mais complexo, marcado por elaborações capazes de quebrar o ciclo de repetições sem espaço para a criatividade – ainda que isso implique não estar feliz, mas poder olhar o sofrimento de frente e suportá-lo, levando em conta o óbvio que deixamos de lado: a dor não fica para sempre. Aliás, nem a alegria.
Inúmeros estudos e observações clínicas têm mostrado que o processo de aquisição de autonomia transcorre no tempo e no espaço (sem promessas de passes de mágica e, em geral, a duras penas); está intimamente relacionado à identificação do desejo de fazer um “pacto com a saúde”.
Um caminho eficiente é refugiar-se naquilo que não necessariamente traz bem-estar imediato, mas ajuda a construir esse estado mental. Para isso, um diferencial importante é o comprometimento com o que de fato faz bem. De preferência sem imposição de chegar a um ponto para ser feliz ou esperar que a satisfação seja algo linear, perpétuo, que nos coloque em estado de gozo constante.
O bom é que em algum nível, mais ou menos consciente, a gente desconfia, intui, pressente que não é de fora para dentro que vem o bem-estar – o movimento é interno, subjetivo. Não tem a ver simplesmente com o que acontece, mas como vivemos a situação. A gente sabe disso – mas esquece. Até porque exige maturidade reconhecer que estamos no centro de nossas próprias vidas, somos protagonistas e cabe a cada um, de forma intransferível, a decisão consciente de suportar desfrutar o que já temos.
Veja mais: Essa tal de felicidade
Nesse sentido, a gratidão funciona como um poderoso instrumento para a ampliação de espaços de felicidade em nosso psiquismo. Afinal, para agradecer, é preciso reconhecer que temos recursos dos quais nem sempre nos damos conta. E os aspectos que nos agradam existem, persistem – apesar das faltas, constantes e inevitáveis.
(Autora: Gláucia Leal)
(Fonte: Este artigo foi publicado originalmente na edição de janeiro de Mente e Cérebro)
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