A criação de uma bolha de felicidade nas redes sociais parece ter ganhado uma nova versão.
Muita gente já falou sobre essa tendência em postar alegrias falsas na internet. Como editamos e escolhemos, à dedo, textos, imagens e histórias que parecem nos mostrar muito mais vitoriosos que realmente somos, mais felizes que qualquer um poderia ser. Isso realmente acontece (e muito).
Tenho acompanhado um movimento contrário, mas que consegue ser tão irritante quanto. Se você forçar um pouco a memória e observar bem, é provável que consiga se lembrar de umas tantas postagens que andam surgindo com piadas autodepreciavas ou um tipo de catastrofismo. As ironias sobre si mesmo que beiram o sarcasmo, aquelas visões de mundo apocalípticas, discursos desoladores.
Enquanto o movimento do primeiro grupo, do pessoal feliz demais, tenta mostrar valor através de uma sucessão de conquistas espetaculares, o outro parece entender que um certo derrotismo é capaz de torna-los aparentemente mais interessantes. Faces de uma mesma moeda.
Vitórias acontecem, derrotas acontecem…
A vida, ou melhor dizendo, a realidade, não é um processo linear ascendente ou em queda. Dentro de momentos ruins, acontecem coisas boas e nos momentos bons, também surgem problemas.
É estranho imaginar que ser um perdedor passe a ser interessante, não é mesmo? Em algum momento [eu ainda não entendi bem qual] acabaram transformando o fato de ser um perdedor em uma coisa “cool“. Talvez tenha acontecido na onda de comédias românticas dos anos 1990… pode ter sido na vingança dos nerds que ficaram ricos com o avanço tecnológico. Alguns teóricos afirmam que esse fenômeno é culpa dos Los Hermanos. Eu acredito que a causa tem raízes múltiplas e que os motivos são menos importantes que seus efeitos.
Brincadeiras à parte, o poeta Paulo Leminski já havia dito que “um homem com uma dor é muito mais elegante”. Pode ser exatamente essa elegância que se busque quando falamos desses perdedores tão interessados em exibir publicamente suas derrotas.
Nos consultórios de psicologia há um certo consenso de que um processo de sofrimento é capaz de gerar mais inteireza pessoal, aquilo que chamamos de individuação. O ato mais importante que uma pessoa pode passar em sua vida, tornar-se, nos limites possíveis, senhor de si mesmo.
Que a dor e derrota ensinam, isso é fato. É no fogo que se forjam os metais mais resistentes e brilhantes. O ponto não é esse. O ponto é: que tipo de sujeito é capaz de exibir, com tanta facilidade e frequência, seu ponto mais fraco? Eu não sei vocês, mas eu tento proteger as partes que me doem mais.
O psicoterapeuta austríaco, Alfred Adler, estudioso dos complexos de inferioridade, acreditava que um sentimento de inferioridade levaria o sujeito a buscar um tipo de compensação para suas fragilidades mais intimas. O sentimento de inferioridade, na lógica de Adler, seria motor para comportamentos que buscassem superá-lo. Isso, além de ser uma tentativa de equilíbrio na psique do sujeito, funcionaria, também, como forma de proteger o “calcanhar de Aquiles”.
Leia Mais: Deixe que essa tristeza vá embora…
Meus anos de atendimento como psicoterapeuta conseguiram me convencer que Adler está, realmente, num caminho correto quando o assunto são nossos pontos mais fracos, nossas falhas e derrotas.
Sem dúvida, a reabilitação do perdedor teve suas vantagens. Podemos discutir mais abertamente sobre algumas fraturas sociais, como o famigerado bullying, sobre nossas angustias em não sermos parecidos com os grandes galãs da TV, ou sobre não sermos milionários aos 25 anos. Notem que o problema não é a abertura, um pouco maior, para temas tão dolorosos quanto a nossa sensação de inadequação em um mundo que parece tão mais interessante que nós. O problema é ver sentimentos tão íntimos sendo escancarados de forma tão leviana em redes sociais, como se fosse normal. Tem cheiro de embuste.
Adler apresenta uma ideia de que, se por um lado existe uma fragilidade, por outro criaremos uma forma de compensação. Essa compensação pode ser socialmente útil, com a formulação de produtos criativos e possibilitadores de melhorias para a comunidade em que se está inserido, mas pode ser também destrutiva e gerar resultados não tão nobres.
Se essa pessoa usa uma imagem de tristeza, catástrofe, derrota ou dor, como forma de parecer mais elegante, provavelmente esconde, bem escondido, alguma outra fraqueza… essa sim dolorosa, cheia de raízes profundas, capaz de causar imensa vergonha só de mostrar um pedacinho por aí.
Como vim articulando ao longo de todo esse ensaio, não acredito que essa fragilidade/derrota/dor deva ser divulgada aos quatro cantos, como um troféu a ser exibido na sala de casa. Ela é parte intima de cada um e assim deve ser tratada, com cuidado e carinho de nós, para nós mesmos.
O mais interessante é que essa fraqueza, essa que dá tanto problema, diferente da falsa, da que serve de máscara, não nos tornará mais interessantes… o efeito dela é capaz de tornar o outro mais interessante. Esse contato interno pode transformar esse outro em figura mais simpática. Essa dor é o que nos coloca em contato com o mais humano e, quem sabe assim, percebamos, verdadeiramente, que estamos todos no mesmo barco e ninguém precisa parecer tão melhor que o outro por suas postagens de internet.
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