Esse é um daqueles desabafos que a gente leva uma vida inteira para conseguir transformar em palavras.
Isso porque não se trata de um texto sobre a minha militância feminista, uma crônica para meus novos amores ou um dedo na ferida de todos aqueles que habitaram em mim e se esqueceram de pegar de volta as mágoas que deixaram comigo; talvez isso não me seria tão difícil quanto falar sobre você, mãe.
Levou um tempo (duas décadas, para ser exata) até que eu conseguisse compreender a natureza abusiva da nossa relação.
Sim, mãe, o nosso relacionamento é um relacionamento abusivo.
Durante seus acessos de raiva, onde invariavelmente seus gritos se justificavam por minha culpa, eu não tinha como não me açoitar por ser tão medíocre ao ponto de te tirar do sério. Eu sempre te amei, mãe, e era doído te ver sofrer daquela maneira por minha causa.
Nunca importou o quanto eu me esforçava para fazer as coisas corretamente e te deixar um pouquinho orgulhosa, já que meus erros sempre pareceram mais significativos do que qualquer outro acerto; nunca importou para você como eu me sentia ao ser comparada com a filha da fulana ou da ciclana; nunca sequer te importou se a cada crítica desmedida que você fazia, minha autoestima se esvaía, e junto dela também iam minha confiança e capacidade de acreditar em mim mesma ralo abaixo.
Sobretudo, mãe, talvez “por me amar tanto”, como dizia, você sempre soube de minhas fraquezas e como usá-las contra mim.
Leia mais: Mães e filhas: o vínculo que cura, o vínculo que fere
Fosse aquele sentimento de culpa que você fazia questão de me lembrar constantemente, ou aquele segredo só nosso que você usava contra mim mesma nos momentos que te parecessem oportunos, o alvo – no caso, eu – era sempre acertado com bastante precisão.
Acho que eu ainda conseguiria falar sobre como você me subestimava, invadia minha privacidade, projetava suas frustrações em mim, jamais pedia desculpas ou sobre quando ameaçava ultrapassar os limites da agressão verbal e psicológica e me enchia de medo.
No entanto, mãe, o mesmo senso (confuso) de sororidade que me fazia ter medo de problematizar a nossa relação, agora é aquele que me liberta e faz tentar compreender seus motivos para agir dessa forma.
Leia mais: Quando a educação dói: mães tóxicas
Hoje eu sou capaz de entender que a vida, sempre bastante amarga e injusta contigo, te trouxe até aqui.
Parte de seus abusos são reflexos de inseguranças, sejam aquelas adquiridas dentro da casa partilhada com um pai ausente e abusivo, da árdua labuta diária para levar o sustento para a família, das preocupações solitárias que te tiravam o sono, dos homens que te frustraram ou pelo peso de ter de carregar o mundo sob suas costas.
A verdade é que você nunca recebeu um apoio que te fizesse encarar as suas fraquezas e evitasse que elas se tornassem a projeção abusiva que tanto me afeta, o que torna mais difícil que você perceba os erros que comete.
Ok, não é tão fácil assim lidar com essa sua vulnerabilidade. Reconhecer suas habilidades manipuladoras é um desafio enorme após tantos anos sendo constantemente diminuída, e pior ainda é não me deixar afetar por sua capacidade de se vitimizar enquanto pessoa resignada e incompreendida.
Leia mais: Não cobre das pessoas o que elas nunca receberam
Nessa história, está claro que você também é vítima, mas eu espero que saiba que a dureza com que exprime a sua dor emocional é capaz de causar efeitos devastadores na cabeça de uma criança, mãe.
Infelizmente, o melhor para nós duas tem sido a distância, mesmo que você ainda encontre os seus meios para me atingir.
Reconhecer o nosso relacionamento abusivo não foi e não tem sido fácil para mim, mas romper com esse ciclo despótico e desgastante me dá novos vigores. Ao reconhecer que todos os erros, críticas e fardos com os quais cresci não pertenciam necessariamente a mim, enxergo a possibilidade de ser feliz, e não a bastarda que eu sempre acreditei ser.
É claro que, ao me afastar de você, me incorreram os piores dos sentimentos – talvez por parecer desistente, talvez por não ter descoberto a solução mágica capaz de reparar todas as nossas cicatrizes.
Leia mais: Quando preciso me pego no colo
Agora, apesar das mágoas, espero que possamos amadurecer enquanto mãe, filha e, acima de tudo, enquanto mulheres.
Que você e eu, mãe, assim como todas as outras pessoas que passam por essa mesma “situação chatinha”, sejamos livres para viver da maneira que menos nos fizer mal, mesmo que isso contrarie as regras contidas no “manual dos relacionamentos pseudo-tradicionais entre mãe e filha”.
(Ainda) Amo você
*Texto publicado originalmente por Bianka Vieira no Site Lado M e reeditado com autorização do administrador
Encontre uma área divertida e relaxante na sua casa para transformá-la! Aprenda como seu estilo…
Os jogos de cassino on-line cresceram muito nos últimos anos, e não é de se…
Nos últimos anos, a indústria de iGaming (jogos de apostas online) passou por transformações significativas,…
Utilizando terapias para uma nova abordagem ao problema A compulsão por jogos cresce na sociedade…
Agora, a indústria de jogos de azar online está crescendo, o que não é surpreendente,…
Muitos dos jogos de cassino mais famosos existem há séculos, como o Blackjack e a…
View Comments
Nossa,me envergonhei ao ler esse texto,porque me vi nele nas minhas atitudes para com os meu filhos ... sempre estressada,e descontando neles,meus problemas,mas ao ler esse lindo e triste texto,me fez enxergar,o quanto de mal eu sofri e o quanto de mal faço meus filhos sofrerem. Obrigada a escritora que teve a generosidade de compartilhar esse texto,acredito que assim como eu,muitas mães possam se ver e perceber o quanto é urgente a mudança em nossas atitudes ... por Amor aos nossos filhos. Obrigada!
Parabéns pela sua coragem em admitir isso. Como eu queria que a minha mãe fizesse o mesmo... Tenho certeza que você ama muito seus filhos e eles também te amam. Boa sorte!!
Parabéns pelo discernimento. Muita luz, reflexão e paz em família.
Apesar de ser tudo muito triste, confesso que encontrei um certo alívio por saber que existem mais pessoas que passam por EXATAMENTE o que passamos. Esse é o tipo de coisa em que acreditamos sermos detentoras exclusivas, pois além de a sociedade apresentar a figura materna como sendo perfeita, olhamos ao redor e não encontramos algo que se assemelhe. Talvez porque levamos tempo pra nos darmos conta do abuso, ou não tenhamos coragem de admitir (para nós e para outras). O sentimento de culpa quase sempre fala mais alto.
Obrigada por sua coragem!
O texto é a mamãe nha vida até certa parte... tenho 41 e por ser tratada assim a vida toda, me sinto com 7 anos... ao contrário do texto, ainda não me libertei.
Me sinto culpada... sempre! Ela faz isso comigo... :(
Obrigado por este texto. Vou partilhar na nossa página de facebook e blog ''Apoio para filhas de mães narcisistas'', um porto seguro para todos os filhos adultos que sofreram abuso da parte materna. Algo que a nossa sociedade esconde como se nunca tivesse existido, deixando as vítimas sem amparo.
Aprecio a grandiosidade dos textos, na maioria das vzs eles me tocam profundamente. Vivo um relação conflituosa com minnha mãe, e por conta desses abusos hj faço terapia, tomo antidepressivos e nao tenho nenhum tipo d contato cm minha mãe. Mesmo eu morando no primeiro andar e ela no segundo. Sou frustrada, minha saudade emocional e fisica estao totalmente abaladas. Minha mae m culpa por nao ter dado certo seu casamento com meu pai...homem violento. Mas no auge d nossas brigas eu disse a ela q sou consequrncia d uma má escolha q ela fez. Ele m agride mt verbalmente, por isso eu resovi m afastar. Nao querendo m eximir d possiveis erros d minha parte. O despreso e o modo cm minha mãe m tratou a vida td, m fez ser uma pessoa dura e vazia. Obrigada pelo desabafo!
Complicado td esta situacacao pq sao mao mulheres q nunca receberao amor de seus pais nao q isso justifique nada justifica. Mas sao pessoas solitarias amargas q ue encontra no casamento com ou sem amor a unica chamce insconscoente de tentarem se resolver. Doi muito para nossas mae mars q vem de educacoe endirecidas aonde q vc so poderia ser mae e nunca amiga vislumbra em algum momenta q a sua filha com menas idade iria troca de papel com vc e ela comeca a ajuda vc sendo sua amiga e mae do que . Eu sei q eu muito mais dificil fazer a nossa parte com uma pessoa da nossa familia sendo ela nossa mae q nos maltratou tanto psicologicamente e por muitas vez continua a nos maltratar. Ate nos mesmo as vezes nao acreditamos achamos q ela esta obsediada ou q e coisa de vida pasada para q acredita no espiritismo. Mas na verdade esta pessoa nos deixa mais forte mais corajosa nos faz todos os dias trabLhar a nossa auto confianca a nossa humildade,resiliencia. Pq q passa issa diariamente com sua mae aprende melhor escola da vida . E concerteza saia mais fortalecido sei q doi e muito e de vez enquanto como td poderia ser diferente. Como gostaria de confiar na minha mae de ligar para ela e contar as coisa mas nao da . Quem sabe da proxima ne
Cara autora, obrigada por compartilhar esse texto. Minha mãe e eu temos uma relação abusiva, quase exatamente como você descreveu. Durante anos fui vítima de críticas, manipulações, comparações. O que mais gostei em seu texto é que você mostra sensibilidade ao tentar entender porque sua mãe é assim. Tentar entender, contudo, não quer dizer que precisamos aceitar os abusos. Saí de casa e tento hoje ter uma relação um pouco mais distante. Não é fácil. Vale a pena tentar sair desse círculo, não alimentar o ódio, nem a vingança, nem a vitimização. Todos estamos em nossas famílias por um motivo. E não quero perpetuar nenhuma relação abusiva daqui pra frente...
Eu passo por isso e me sinto mal por não me sentir culpada ao sair de casa,lendo esse texto me faz entender que ainda tenho resquícios de um relacionando abusivo com minha mãe
Nossa! Que realidade dura e pesada. É inerente ao ser humano dar de si o melhor que tem, mesmo quando o seu melhor é o que de pior existe. Isto deveria ser suficiente para redimir a todos nós de nossa miséria e de nossas culpas. Mas a dor é algo por demais irracional para se satisfazer com explicações tão simples.