Sou do tempo do filme Kodak. Custava caro e só sabíamos o resultado das fotos depois da revelação. Lembro-me de que quando vieram as máquinas digitais; ver o resultado imediato das fotos e poder apagar e fotografar novamente até conseguir um resultado satisfatório parecia o mais moderno que se poderia esperar do mundo fotográfico.

Tenho algumas fotos de quando eu era bebê e da minha infância. Tenho fotos das viagens da família, de alguns momentos na escola e das formaturas. Todas elas, o total de fotos impressas e digitalizadas da minha vida somam menos fotos do que meu filho tem do seu primeiro ano de vida. Tive essa consciência há pouco tempo e isso me fez pensar que talvez estejamos exagerando. Talvez estejamos fotografando demais e vivendo de menos.

Mais do que fotografar, publica-las nas redes sociais parece ter se tornado necessidade básica. As minhas fotos me dão uma noção bem rica da minha história, porém acredito que se elas não tivessem sido tiradas e então não existissem, isso não faria grande diferença. A nossa história e o que realmente importa está na nossa memória, dentro do nosso cérebro e, por mais incrível que isso pareça, nos momentos importantes como o nascimento de um filho, uma viagem ou um natal em família, fotografar não deve ser prioridade. Fotografar não pode ser mais importante do que estar lá, vivendo intensamente aquele momento.

Em viagem recente com a minha família, eu estava sentada em um banco com meu filho de quatro anos aguardando meu marido que fora se divertir em uma atração não indicada para crianças pequenas. Aproveitei o tempo para fazer o que mais gosto: observar gente. Vejo então passar uma família e a mulher pede ao marido que eles parem em frente a um jardim para tirar uma foto. Ele, talvez já cansado de tantas fotos incessantemente tiradas no mais famoso complexo de diversão do mundo desabafa: “Chega. Não aguento mais tirar fotos!” E naquele momento, eu, que talvez também estivesse tirando fotos demais do meu pequeno em sua primeira visita ao parque compreendi o recado da natureza. E se não houvesse fotos? E se elas não existissem, como já fora um dia há séculos com nossos antepassados? Será que precisamos mesmo fotografar tanto, talvez na ânsia de sequestrar e guardar para sempre aquele momento, como se a câmera tivesse mesmo o poder de sequestrar o tempo e a alma?

Eu sempre gostei muito de fotografar, todavia, hoje percebo que talvez eu pudesse ter deixado a câmera de lado e mergulhado por completo no aqui agora. Aprendi que a minha memória é melhor do que a do chip, porque guarda aromas e demais sensações que nem o mais moderno equipamento consegue captar. As fotos nem sempre trazem de volta o que nos falta, muitas vezes elas aumentam ainda mais a saudade.

Cada vez mais, percebo que fotografamos menos para nós mesmos e mais para os outros. Antes expostas na parede e nos porta retratos, as fotos agora são muito mais expostas no mundo virtual, envoltas na falsa sensação de que são apenas para os nossos amigos. Nós nos tornamos, talvez, mais dependentes ainda dos olhares, polegares para cima e comentários padronizados.

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E assim a vida passa e nós talvez estejamos deixando de lado o bom papo e a utilização dos demais sentidos para captar o inesquecível da vida. Mais do que as fotos é preciso estar de fato sorrindo e se divertindo quando a câmera está onde deveria estar: guardada no bolso ou na bolsa para ser utilizada por uns poucos minutos e não o tempo todo. É preciso enxergar o mundo sem as lentes e principalmente sem os filtros.

Passamos bem menos tempo do que se imagina revendo as tais fotos, então, sejamos sinceros: elas não são tão importantes assim. Em um futuro não tão distante, as fotos serão talvez esquecidas, apagadas ou mantidas em uma parede ou sobre uma mesa de canto em um porta retrato. Seremos apenas uma ilustração e isso vai ter muito pouca relevância porque a verdade é que não somos tão importantes assim, tanto quanto achamos que somos ao tirar um selfie narcisista por exemplo. Tanto faz o nosso selfie ou um quadro do Rei Sol pintado por um renomado artista que hoje está em Versailles – como cantou Rita Lee: tudo vira bosta.

Eu já passei pelo comum incidente de ter fotos deletadas ao formatar o PC. Na época, parecia uma catástrofe imensa, mas com o tempo fui vendo que nada mudou. Enquanto as fotos forem parte da alegria do momento, invista nelas, porém, priorize a experiência. Nossos filhos vão crescer sendo ou não fotografados e quando se tornarem adultos, se tiverem, como eu, uma caixa de panelas na qual cabem todas as fotos dos quarenta e um anos de vida que hoje tenho, acreditem, é suficiente.

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Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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