Eu sempre entendi os encantamentos dos outros olhos, os amores compartilhados, o distanciamento repentino e a voracidade de uma aproximação. Eu entendi as necessidades do outro, os atropelos por uma honestidade consigo mesmo, entendi a dor, o sofrimento.

Eu olhei com olhos humanos as despedidas bruscas, as chegadas inesperadas. Fechei as portas quando só ouvia o barulho de um vento gelado e nada mais entrava. Abri as janelas para primaveras insistentes, dancei a dança da súbita felicidade quando meus olhos vagos miravam o chão. Eu entendi a dúvida em forma de silêncio, os ecos da não comunicação, eu entendi o peso da indiferença, a falta de energia, a rejeição.

Entendi a substituição dos protagonismos, os cortes nas participações. Entendi o atraso da percepção, o arrependimento quando já era tarde, a luta para colar os cacos esfarelados de um coração. Eu senti a irritação na presença, a sede de novidade, o sopro de morte amargando os cafés da manhã. Senti as costas doloridas pelo peso existencial da vida de um homem. Senti o ancorar de cada lágrima, a absorção impune da pele, a barba crescendo e o álcool entrando nas veias machucadas.

Senti seu travesseiro virando meu colo, as novas mulheres que causavam ainda mais irritação. Senti a raiva, a fúria, a vontade de pegar o primeiro avião. E porque senti tudo o que não era meu, e porque os olhares de dor são como punhais em meu peito, e porque seus pesadelos invadiam o meu momento de meditação; a minha luta de seguir os meus passos, cruzar a maré, nadar na contramão, de romper os nós e seguir a intuição foi sempre um esforço sem tamanho.

Essa coisa de sentir pelos dois lados, de absorver doçuras e toxinas, de entender que tudo é parte do humano, de ter piedade nos gestos. Essa coisa de ser empático demais, de ouvir demais, de não saber não se importar e andar sem olhar pra trás. Essa coisa de não ter aprendido a deixar que cada um viva sua própria alegria ou ruína… essa coisa toda sem pés nem cabeças, sem heróis ou vilão. Como é que se relaxa os ombros quando o mundo pulsa na minha vibração?

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Clara Baccarin é paulista dos interiores, nascida nos anos 80. É escritora, poeta e agitadora cultural. Faz parte do grupo editorial Laranja Original. Publicou, pela editora Chiado, o romance poético Castelos Tropicais (2015) e a coletânea de poemas, pela editora Sempiterno (2016), Instruções para Lavar a Alma. Em 2017 lança, em parceria com músicos e compositores, o álbum Lavar a Alma, que reúne 13 de seus poemas musicados. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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