Iatrogênese é o efeito adverso criado por um tratamento, seja ele da ordem da imprudência, negligência ou imperícia, seja ele decorrente de consequências malfazejas que o uso de uma substância ou procedimento pode vir a acarretar para o paciente.
Apesar de sua origem médica, admite-se que todo e qualquer tratamento possui eventuais efeitos desse tipo, mas ainda existe uma grande leniência nessa matéria quando consideramos a psicoterapia ou a psicanálise. Isso ocorre em parte porque não imaginamos que palavras podem causar grande mal a uma pessoa, sendo a principal objeção levantada em termos de ineficácia, desperdício de tempo ou dinheiro.
Aliás, foram esses os motivos que levaram Freud a propor um período preliminar de tratamento, um tratamento de ensaio, antes de começar propriamente o processo.Ele levantava dois motivos para isso. O primeiro é poupar tempo e dinheiro aos envolvidos decorrentes do início de um tratamento sem que suas condições elementares estivessem dadas: alguma simpatia e confiança entre analista e analisante, a avaliação clínica de que os sintomas são responsivos à psicanálise e o asseguramento de que as condições para a empreitada, que exige certo empenho e dedicação, estão presentes.
O segundo motivo é que o início de um tratamento, rapidamente interrompido, gera um efeito de descrença e de decepção, no paciente, quanto à própria possibilidade de livrar-se de seu sofrimento. Isso constitui, podemos dizer, um efeito iatrogênico da psicanálise: a criação de um estado de desesperança e acomodação aos próprios sintomas.
Mas há motivos para pensar a iatrogênese, hoje, em outros termos. Prometer resultados e fazer uma elevada medida de nossa tarefa, como se ela fosse capaz de curar toda covardia, desperdício e miséria humana, é de uma imprudência tentadora. Atender pacientes sem uma longa e periodicamente renovada análise pessoal, ademais apoiada por supervisão, é um caso banal de negligência.
Encontramos combinações entre imprudência e negligência naqueles que desfazem da importância do diagnóstico, que atendem inúmeros membros de uma mesma família, que derrogam o auxílio de outros saberes e práticas ou que disseminam a crença de que sem a psicanálise o paciente não terá outros recursos para enfrentar suas dificuldades, fazendo-se assim de imprescindíveis e estimulando a dependência.
Contudo, o tema mais controverso é certamente o da imperícia. Nele temos de avaliar o peso de nossas intervenções feitas por palavras e seus infinitos contextos. Nele quase não temos como distinguir o peso decisivo de um silêncio bem colocado de uma mera ausência desatenciosa.
E se o paciente é a medida de todas as coisas, e de todas as palavras, não seria o caso de considerar também os limites de que mesmo uma psicanálise bem conduzida a seu termo seria iatrogência simplesmente por lançar o sujeito de volta em um mundo doente? No qual ele sofrerá ainda mais?
Autor: Christian Ingo Lenz Dunker
Este artigo foi publicado originalmente na edição de novembro de 2015 de Mente e Cérebro.
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