Especialista acredita que o excesso de zelo adia a conquista da maturidade
Especialista em questões relacionadas à família e à escola, a psicóloga paulistana Rosely Sayão acredita que as crianças estão sendo educadas sob o peso da superproteção, o que as desconecta da realidade. O excesso de zelo também dificulta o desenvolvimento da resiliência, a capacidade de resistir às adversidades e empurra para mais tarde a conquista da maturidade.
Para Rosely, falta aos pais, preocupados em demasia com um futuro de sucesso para os filhos, um olhar focado no presente.
— A gente perde de vista o filho como ele é hoje. Quem é o meu filho? Do que ele gosta? Do que ele não gosta? Quais são os talentos dele? Quais são as impossibilidades? Algumas delas a gente pode superar? — pergunta-se a psicóloga, colunista da Folha de S.Paulo e da Band News FM.
Confira os principais trechos da entrevista.
Você aponta a superproteção dos filhos como um estilo dos pais hoje em dia, independentemente de classe social, econômica e cultural. Onde isso fica mais evidente?
Em todas as situações que envolvem essa neurose de segurança que a gente adquiriu: filho não sai sozinho, na esquina, na padaria, não usa transporte público. Há adolescentes que usam sem os pais saberem, mas não para ir para a escola. Para ir para a escola, ou tem perua, ou o pai leva e busca, e eles vão ficando um pouco distantes da realidade. Em casa, eles são muito poupados dos afazeres domésticos com que poderiam contribuir, sempre acham que tem alguém que faça. A gente não tem ensinado para os filhos que tudo tem um processo com começo, meio e fim. Por exemplo, ir a um aniversário. Tem o antes, que é pensar na pessoa, pensar no presente, sair para comprar o presente, pedir para os pais se pode ir, perguntar se os pais podem levar e buscar. Depois tem a festa, o desfrute, e depois da festa tem de ver quem vai buscar. Tudo fica com os pais e, para os filhos, é só ir à festa. Tomar banho é a mesma coisa: é só entrar debaixo do chuveiro. Não tem a organização da roupa e do banheiro, enxugar o banheiro. Nada disso, para os filhos, faz parte desse processo. Isso tudo é superproteção.
É comum os pais se colocarem contra a escola, atacando o professor ou o método de avaliação para defender os filhos.
Exato. Às vezes, os filhos reclamam de um colega e os pais vão tomar satisfação com os pais do outro colega. Briga entre crianças sempre vai acontecer, e elas são capazes de resolver. Quando não são, a escola tem de dar conta se elas estão lá. Mas os pais querem resolver tudo, metem-se na vida escolar dos filhos muito intensamente. A escola deveria ser a primeira batalha que a criança aprende a enfrentar por conta própria. Os pais estão com a ideia de que ir bem na escola, passar de ano, ser exitoso é um índice de que eles são bons pais. Eles fazem tudo para que isso aconteça. Os filhos vão aprendendo que “se tem problema, meus pais resolvem”.
A imaturidade é a principal consequência da infância e da adolescência poupadas de percalços?
A maturidade vai ficando mais tardia. Hoje, muitas empresas reclamam demais da falta de compromisso dos seus funcionários mais jovens, uma geração que já foi criada assim. Se o chefe dá uma bronca, o funcionário já quer sair do emprego. Os pais, resolvendo tudo, não colaboram para que o filho construa a resiliência, que é a capacidade de resistir às adversidades, de cair e levantar, de tropeçar, machucar o joelho, fazer o curativo e seguir em frente. O mundo das crianças pequenas é absolutamente irreal. As escolas privadas são obrigadas a limpar a areia semanalmente, os móveis não têm cantos, é tudo arredondado. As crianças não podem vir da escola machucadas que os pais reclamam. Esses pequenos incidentes fazem parte da adaptação ao mundo. É contraditório: a gente diz que os pais não dão limites, mas as crianças estão limitadas em demasia. Não pode isso, não pode aquilo, não pode aquele outro. E como é realidade da vida que dá os limites, aí, elas não reconhecem esses limites.
Qual é a maior angústia dos pais atualmente?
O sucesso dos filhos a qualquer custo, o que tem custado uma formação deficitária. O sucesso futuro retira um pouco o presente da vista dos pais. A criança e o adolescente estão no presente, não é pensar só no futuro. A gente deveria substituir aquela famosa e malfadada pergunta “o que você vai ser quando crescer?” por “o que você quer ser antes de crescer?”, para eles terem a ideia de que são alguma coisa agora.
Outro lado que o sucesso no futuro tem provocado é a formação dos valores, da moral, da ética, dos princípios. Está todo mundo focado em “meu filho tem de ter um bom emprego, ganhar bem, ter conforto”, mas, se ele não for uma pessoa de bem, vale a pena? Essa é a pergunta que a gente tem de se fazer.
Uma pesquisa recente afirma que os pais andam muito distraídos com seus smartphones, não prestando atenção na conversa com os filhos, além de ser comum a troca de mensagens de texto entre pessoas que estão na mesma casa. Você acha que a tecnologia está afetando muito as relações?
Muito. Há um percentual muito grande de crianças e jovens no mundo que dizem que os pais dão mais atenção ao celular do que a eles. Esse índice explodiu no Brasil.
A gente vive dizendo que os jovens só querem saber de celular, mas somos nós que estamos deixando eles de lado em nome dessas conversas por mensagem instantânea e do trabalho que não termina nunca. Quem tem filho precisa se comprometer e honrar o seu compromisso. A gente não educa apenas para que ele tenha um bom futuro. A gente educa para que ele construa um bom futuro também.
Há pouco você escreveu que “nossa sociedade adulta, infantilizada, adora brincar de faz de conta: fazemos de conta que cuidamos muito bem de nossas crianças”. As crianças deixaram de ser prioridade na vida dos pais?
A gente fez algumas transformações no que significa ser prioridade, por conta de o mundo adulto estar infantilizado. Hoje todo mundo é jovem, independentemente da idade. O jovem tem um compromisso muito grande consigo mesmo, sobra muito pouco tempo para olhar para os outros. Os pais acham que os filhos são prioridade porque trabalham para dar do bom e do melhor e vivem declarando amor a eles, verbalmente. Mas a paciência, a perseverança, isso anda mais escasso.
Além dessa obsessão pela juventude, que outros valores sociais estão moldando as famílias?
O consumo, muitas vezes, determina a posição familiar. “Quero isso”, “vou dar isso para o meu filho fazer parte do grupo e não ficar excluído”. A criança fica desacreditada de si porque precisa ter isso ou fazer aquilo para se inserir, e não ser alguma coisa, pensar alguma coisa, ter posições. Isso atrapalha muito a autoimagem que a criança constrói. Tem também a busca desenfreada da felicidade. Ninguém é capaz de dar felicidade para alguém. A gente é capaz de preparar o filho para que ele consiga buscar a própria felicidade, identificar situações que possam lhe dar momentos de felicidade. Educar pressupõe sempre desagradar à criança. Aí, a gente acha que a criança está infeliz, não desagrada e não educa.
É excessiva a procura por psicólogos, psicopedagogos, neurologistas? Os pais estão com dificuldade de entender os filhos? A solução para eventuais dificuldades e problemas é muito “terceirizada”?
Às vezes não há nada de errado. É preciso lembrar do que os estudiosos têm chamado de medicalização da vida. Olhamos a vida pela lógica médica, e a lógica médica tem a saúde e a doença, o normal e o anormal. Se não está dentro do que se considera normal, procura-se um diagnóstico para poder tratar e transformar em normal. Muitas crianças e muitos jovens têm recebido diagnósticos desnecessariamente, equivocadamente. São poucos os profissionais da saúde, de modo geral, que também conseguem resistir a essa ideologia.
Segundo o IBGE, o número de divórcios no país cresceu mais de 160% na última década. Como essa mudança de comportamento está impactando na criação dos filhos?
Os rompimentos não acontecem só no plano amoroso, do casamento, mas também no da amizade. Bauman, sociólogo polonês, chamou isso de tempos líquidos, tudo é líquido, tudo se dissolve. Mas as crianças nasceram nesse mundo líquido. Acho que afeta menos as crianças se os pais puderem lembrar que o casamento foi rompido, mas a paternidade e a maternidade não. Isso os unirá até que a morte os separe. Tem sido ainda difícil para os adultos deixar de lado as mágoas que sempre ficam depois de um rompimento, para exercer a paternidade e a maternidade de modo mais civilizado. Há muitas brigas, inclusive na Justiça, “é meu dia”, “não é meu dia”. Nem mesmo a guarda compartilhada resolve muito porque é uma questão pessoal, de rixa, em que o filho parece que se transforma em uma moeda de troca. Acho que isso afeta (o filho), não a separação em si.
Como a internet está influenciando a formação das crianças?
Vou ligar essa questão à primeira, sobre a superproteção. É surpreendente que os pais superprotejam os filhos, a ponto de não deixar ir na esquina comprar um pão, e os deixem sozinhos na internet muito precocemente. Eles esquecem que a internet é uma rua, uma avenida, uma praça pública. Talvez a criança e o jovem fiquem tão focados nisso que deem menos trabalho aos pais. A gente vai a restaurante e vê um monte de criança com celular ou tablet. A internet móvel é um “cala a boca”, “fica quieto”. Aí é que a criança aprenderia a socialização, como se comportar em locais diferentes com pessoas diferentes. Aí estaria o empenho da família na formação dos filhos. Nas crianças e nos jovens, a internet sem tutela provoca aquela ideia do descompromisso: “Posso fazer e falar o que eu quiser que não tem consequência”. Mas não é a internet em si a responsável por isso. Ela não é o único elemento a dar essa ideia para os mais novos, é só mais um.
(Fonte:zh.clicrbs.com.br)
Muito interessante.
Mas o que a autora chama de “neuroses de seguranca ” exatamente? E a que idade está aplicando o conselho?
Em tempo: com um filho de 3 anos , qual pai ou mãe não sentiria sua dor, se chegasse ROXO da escolinha?
Fora esses dois pontos que trouxeram duvida, grata pelo texto.
Sentir a dor por ver o filho chegar roxo é inevitável para os pais. Dói na criança e na família!
O que compreendo, da leitura, é que a criança, ao sofrer essa experiência de dor física, poderá estar se preparando para o fortalecimento diante dos inevitáveis roxos e dores da vida.
Muito machucado ou pouco machucado, pode ser ruim. Cabe, à nós pais, dosarmos e apoiarmos. Isto não significa que deixaremos os filhos apanharem, mas quando ocorrer poderemos apoiá-los, conforta-los e estimula-los a enfrentar.
Muito bom texto deveria ser lido nas reuniões de pais as escolas…
Um ótimo texto, excelentes colocações. Sei que é difícil ver um filho vir machucado da escola, o pior é tirar conclusões precipitadas. Meu filho iniciou a vida escolar aos 1 ano e 4 meses, a adaptação mais complicada foi a minha, confesso que me senti insegura durante o ano inteiro. Com 3 anos fraturou o braço direito, caindo do escorregador de apenas 30 cm de altura, uma semana depois cortou o queixo, foram 5 pontos externos e 3 internos, ao passar na frente do balanço a parte inferior do mesmo bateu no queixo. Confio na escola e nas Professoras. Ainda tenho muito que aprender com meu filho. Aprendi que é necessário um cuidado, mas tudo que é demais faz mal, tanto para criança quanto para os pais. Li muito e hoje tento deixa-lo mais independente. Peço ajuda para pequenas coisas como colocar a mesa, guardar seus brinquedos e cuidar bem deles, arrumar sua cama… Ensinei a comer de garfo e faca que hoje com 5 anos fica mais fácil de permitir que ele use faca com corte sob supervisionamento, no início a faca não tinha corte.
Sei dizer que Amo demais, mas hoje com cautela no amor. Descobri que frustrações e “NÃO” são necessários.