Comportamento

Do que nos esquecemos, mas não deveríamos

Do prazer em ir para a escola no primeiro dia do maternal, e do medo que se sentiu ao dar o primeiro passo no que seria o novo mundo daquele dia em diante, afinal de contas ir pra escola é se afastar um pouco dos pais e começar um novo ciclo.

A alegria que se sentiu ao conseguir andar de motoca sozinho, e da coragem em andar de bicicleta sem a ajuda da terceira rodinha. Do frio na barriga que deu quando se conseguiu pedalar sozinho, mesmo que lutando contra a gravidade andando como que numa corda bamba, como os equilibristas que se via no palco do circo, e que você admirava, às vezes em silêncio. Da criança arteira, bagunceira que sefois, dos tombos que se levou, das frustrações que se sentiu, e da primeira vez que o castigo chegou.

Não deveríamos esquecer do abraço apertado do pai quando ele chegou daquela viagem que demorou uma eternidade, mas que na verdade nem foi tão longa assim. Do colo da mãe quando a febre estava alta e ela não foi trabalhar porque ficou preocupada demais para fazer outra coisa, além de um chazinho. Do arroz doce com canela que a vó fazia para sobremesa do almoço de domingo, quando ela sentava naquela velha poltrona e contava as mesmas histórias sempre, com a mesma graça e emoção de sempre.

Não deveríamos esquecer da primeira balada que se foi, e que tinha hora certa para voltar pra casa. Do primeiro amor, do primeiro beijo, da primeira transa, das angústias adolescentes. Da decisão de escolher qual o curso para prestar vestibular, ou se seria melhor fazer aquele intercambio tão sonhado. Da matrícula na faculdade e da faixa COM LETRAS MAIÚSCULAS, pendurada na frente de casa, estampando que você estava entrando para um outro ciclo. Do primeiro salário, da primeira conta pra pagar, das suaves prestações que você fez (e que nunca acabam) para comprar seu primeiro carro.

Não deveríamos esquecer, mas esquecemos. E cada um esquece por um motivo: ou porque não quer mesmo lembrar e acha uma besteira pensar no que passou em outra época, ou porque está na correria do mundo adulto, ou também pelo simples fato de que não se pode lembrar de tudo, haja visto que somos seres humanos e não máquinas que arquivam memórias em suas específicas pastas.

Mas, na medida em que você se propõe e se dispõe a investir um tempo para se pensar, você poderá acessar um reservatório riquíssimo dentro de si mesmo. Se você não sabe como, ou não consegue sozinho, não se sinta único: buscar a ajuda de um profissional pode lhe auxiliar a resgatar aquilo que talvez você não gostaria de ter esquecido, mas esqueceu.

Fernanda de Felippo

Psicóloga. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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Fernanda de Felippo

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