Primeiramente, eu diria, minha história é mais extensa do que eu poderia descrever aqui. Sempre haverá uma brecha, um espaço vazio para mais algumas palavras. Eu me lembro bem da minha infância, na verdade eu me lembro do meu primeiro dia de vida, achava que isso não era possível até ver um programa de televisão sobre memórias e traumas.
Nascer é um trauma.
Lembro-me das luzes no teto do hospital e de enxergar tudo de maneira embaçada, como me lembro dos meus gostos estranhos quando ainda possuía pouco (ou quase nenhum) discernimento. Diferente das outras crianças que gostavam de ouvir histórias infantis na TV Cultura, eu preferia histórias sobre assombrações, demônios e lobisomens contadas pela minha avó. Casinhas, sol, flores e um morro gramado não eram nem de perto meus alvos artísticos, eu gostava mais de esqueletos e cemitérios os quais eram basicamente a composição de meus desenhos.
Quando criança eu queria ter sido um cientista ou escritor. Meu desejo era ficar mexendo com frascos coloridos, misturando formulas, inventando remédios ou debruçado em cima de um monte de folhas, colocando as mais absurdas ideias para fora. Não imaginava que o absurdo iria se tornar parte da minha vida.
A minha doença, como sempre e com todo mundo, passou despercebida durante quase toda minha vida e só obteve a atenção necessária quando finalmente eu comecei a ceder.
Na escola, nunca fui dos melhores alunos e as matérias que mais me atraiam eram história e literatura. As outras disciplinas eu banalizava, assim como quaisquer outras coisas em minha vida que eu julgava trivial.
Então, como um fantasma, ela apareceu quando eu menos esperava. Começou leve, como uma brisa. Eu a ignorava, apesar de sentir pouco entusiasmado com a vida. Eu a descreveria como aquela preguiça de domingo – qual adolescente não é preguiçoso? Entretanto, a fadiga era permanente, por dias, semanas e às vezes, até meses.
Eu que havia sido uma criança feliz, correndo para cima e para baixo nas ruas pequenas da cidade que nasci, uma criança que se sentia completa simplesmente por tomar café com leite pela manhã e assistir desenhos, não conseguia mais ter prazeres, tanto nas coisas simples, quanto nas mais complexas.
Aos quinze anos minha vida já estava bagunçada suficientemente para eu perceber que estava sendo devorado pelo mal do século. Minha família passava por problemas financeiros, perda de entes queridos e meu mundo estava sendo atordoado por relações amorosas infernais.
A solução para mim? Comecei a me envolver com pessoas extremamente problemáticas, que como eu, estavam perdidos dentro da própria mente. Participei por curtos períodos de gangues juvenis e sem propósitos, que viam graça na violência. Automutilação nunca foi algo que me atraiu, mas um humor mórbido tomava conta de mim e eu me deleitava. Talvez eu ainda conseguisse encontrar certo tipo de prazer no obscuro.
O meu primeiro psiquiatra era, com certeza, mais louco que eu. Ele parecia querer me provocar e me deu na época o meu primeiro antipsicótico junto com outro remédio para dormir. O resultado foi: o antipsicótico não fazia efeito e o para dormir me dava alucinações.
Explosões de ódio começavam a se tornar parte do meu dia a dia cujas horas eu passava irritado. Minha reação aos outros e suas palavras eram quase sempre agressiva, verbal ou física.
O segundo psiquiatra era um homem mais estranho ainda. Obcecado por Don Quixote, o consultório dele aparentava um livro encenado, qual me causava incômodo. Mas nada incomodava mais que os atrasos frequentes das consultas e o riso irônico que ele sempre carregava em sua boca.
O diagnóstico dele para mim foi interessante: bipolar.
O remédio obviamente foi o depakote, quase um padrão na psiquiatria moderna para os transtornos de humor.
No entanto, meu temperamento não houve melhoras. Oscilava entre a calma e a ira. Eu desconhecia a alegria, desconhecia a felicidade.
Então comecei a faculdade. Fui cursar direito na cidade de Alfenas em Minas Gerais, e como todo adolescente, fiz muitos amigos, fui a festas, bebi e namorei. Tenho a sensação de ter tido um sorriso ensaiado por quase todo esse tempo. Fingindo estar tudo bem, cedendo à pressão de amigos e no fundo, almejando a solidão e o isolamento.
Os sentimentos negativos durante os dois primeiros anos desaceleraram e quando senti que eu estava obtendo o controle da minha vida novamente, decidi sair em tour pelo mundo. Coloquei a mochila nas costas e fui para a Europa.
Na Europa conheci o que deveria ter sido o amor da minha vida e como dizem, tudo que é bom, sempre acaba. Isso marcava o início da segunda temporada da minha doença. A culpa não foi dela nem minha. Havia nisso tudo uma disposição genética e os acontecimentos daquele ano marcavam o início, apenas o início, da minha luta.
No primeiro ano após voltar da Europa, eu me sentia deprimido. Achava que era pelo simples fato de ter um relacionamento que deveria ter sido bom, finalizado de maneira brusca. Após longos 10 meses, eu já não pensava mais nela, mas também eu não havia retomado minha energia. Eu permanecia inerte. Um estado lisérgico permanente.
Então conheci meu terceiro psiquiatra. Fui diagnosticado com depressão leve e ansiedade. Comecei a tomar uma bomba de tricíclicos que não me faziam efeitos positivos, apenas me tornavam mais violento e inconstante. Viciei-me no Frontal®. Achava que não conseguiria viver sem tomar ao menos seis comprimidos da dosagem mais alta por dia. Além disso, gostava da sensação de estar bem com o mundo, de estar bem comigo mesmo. Eu descreveria a sensação como: Se chovesse meteoros eu apenas me maravilharia ao olhar. Na ausência de tal medicamento eu ficava ainda mais irritadiço, tonto, nauseado, com sudorese e com mãos bem tremulas.
Houve uma vez em que uma simples briga com minha mãe, me levou a destruir um jarro de vidro grosso na cabeça. Minha mão havia sido dilacerada e eu me comportava feito um lunático. Não conseguia dormir.
No ano de dois mil e dez, perdi um primo que era muito próximo e quase um irmão (eu sou filho único). Aquilo pareceu não ter me atingindo da maneira que deveria, fiquei em choque e tive um ataque de nervos em seu funeral. Não era necessariamente pela morte dele, mas junto aos meus próprios sentimentos que eu já não podia mais controlar, estava tudo mudando.
Eu estava obcecado pela morte.
Como disse anteriormente, houve o funeral do meu primo, um funeral ao qual eu tive meu primeiro e único colapso nervoso público. Haviam tantos sentimentos perturbadores dentro de mim, que naquele lugar eu era o que mais gritava, o que mais chorava. Ainda tento analisar de uma forma menos parcial o que me aconteceu naquele dia. Estava eu tentando chamar atenção? Chamar atenção para o meu problema?
Os dias na faculdade de Alfenas estavam se tornando tenebrosos. Havia voltado para São Lourenço, para estudar na faculdade local. Pois meus problemas com a depressão haviam se tornado mais peculiares. Toda essa mudança gerou uma grande frustração, uma vez que se eu tivesse concluído o curso na faculdade de Alfenas, eu poderia ter tido grandes oportunidades em São Paulo. Pensamentos sobre a garota que eu deveria ter me casado voltavam a tomar minha mente de uma forma sombria e eu tinha a ideia que deveria guardar dinheiro para poder vê-la. O que não aconteceu.
Voltar para São Lourenço foi de longe a pior das minhas escolhas.
Com vergonha pela minha escolha errada, eu decidi criar uma segunda versão da minha história, para justificar meu fracasso como pessoa. Dizia a todos que eu estava muito envolvido com álcool e que precisava me tratar, por isso voltei para a minha cidade natal.
Sonhos abomináveis eram os donos de meu sono. Terror noturno. Desejo de estar morto. Esses eram os novos sintomas dessa temporada. A noite que deveria ser meu único momento de paz, passou a ser assombrada por sentimentos negativos. Eu não tinha mais paz, evitava dormir para não ter que acordar. Evitava dormir para não sonhar.
Na faculdade nova, haviam vários olhos curiosos sobre mim. São Lourenço é uma cidade pequena. E como em toda cidade pequena a curiosidade é algo muito frequente. Todos me questionavam do porque eu havia voltado. Eu sempre sorria e entregava a segunda versão, com medo de ser crucificado por ter amado. O amor, o mais belo sentimento, o sentimento da união perfeita entre Deus e o homem, havia se tornado um motivo de vergonha e desprezo para mim.
Envolvi-me novamente com grupos ligeiramente misantrópicos, encontrei comunidades virtuais que adoravam publicar, identificar e constatar óbitos de pessoas estranhas. Meu maior e único prazer era fruto da estranheza e da desgraça. Era um reflexo de como eu me sentia perturbado por dentro.
Eu comecei a ficar doente frequentemente, e então descobri o transtorno obsessivo compulsivo que iria reinar sobre minha vida: Eu tinha TOC com doença.
Virei um fã de carteirinha de convênios de saúde, de laboratórios de coleta de sangue e hospitais. No início, ao desenvolver meu TOC, eu sofria calado. Achava que estava com meningite, AIDS, tuberculose e câncer. Passava horas pesquisando os sintomas e meu corpo passava por um período de psicossomatização. Toda semana eu estava morrendo, eu iria morrer. Não havia paz.
Jamais me livrei desse Transtorno, apenas evito os gatilhos que me levam a ele.
Certa vez – um fato curioso -, eu dei dinheiro a um sem teto que clamava ter AIDS. Achei que havia sido contaminado. Acredite se quiser, até a contagem dos meus leucócitos diminuíram.
Eu tinha fé sem fato.
Eu não conseguia mais ter relações sexuais normais sem achar que seria contaminado, na minha cabeça o HIV poderia ser transmitido pelo ar.
De três em três meses eu estava lá, presente, sentadinho no laboratório de coleta de sangue e mesmo quando recebia os exames, todos negativados, eu ainda achava que algo poderia ter dado errado e o exame me mostrara um falso negativo.
Naquela altura, eu só saia de casa para ir para a faculdade. Não conseguia mais frequentar academia. Eu evitava aparecer em qualquer lugar que fosse. Não queria ser visto, nem tocado. Eu estava conhecendo a agorafobia.
O terceiro psiquiatra me diagnosticou com depressão maior e transtorno de ansiedade generalizada. Um decorrente do outro. A medicação foi risperidona® com venlafaxina (e eu sempre dava um jeito de conseguir mais receitas azuis para meu ansiolítico para sustentar o vício).
Eu não conseguia mais sair da cama, permanecia inerte, assistindo filmes de terror o dia todo, sem disposição.
Comecei a ganhar muito peso, em mais ou menos um ano, ganhei 30 quilos. Isso me afetou diretamente e contribuiu para que eu não quisesse mesmo sair de casa. Fiquei isolado. Aquilo não era tão ruim. O isolamento até me fazia bem.
Obtive uma onda de criatividade, onde eu desenhava, pintava e escrevia muito.
Continua.
(*relato real)
(Autor: Pablo Murad , colunista do site Fãs da Psicanálise, é advogado,
especialista em Direito de Família e Tributário)
Curioso, sua história é muito similar a minha, atualmente, estou tentando me adaptar a Clopramina, associado ao Fluxetina, que me deixa feliz, desenvolvi fibromialgia, tive traumas na infância, por mais normal e alegre que foi.
Hj, sem remédios, é uma tortura de dor e angústia.
Busquei forças na Igreja, mas vou pouco, falta me ânimo.
Tenho um namorado, que me ajuda demais nas crises.
Tentando acupuntura, e procurando psicólogo, pra poder por td pra fora de novo.
Meu sonho é me internar num templo na Tailândia e conhecer a paz, yoga e meditação.
Estou reservando grana pra ir daqui 4 anos.
Sou formada em ADM, trabalho numa multinacional. Mas me questionou se é esse “sucesso” que quero, e é melhor pra mim.
*vc tem q ter faculdade emprego bom, pra sobreviver no sistema” será mesmo esse o melhor dos mundos?
Estou num momento de profunda reflexão, onde ler livros é meu maior prazer.
Nossa…me vi em várias passagens, desde os diagnósticos diferentes, uma vez que mudava de médico, até o ganho de peso, o isolamento, a prostração. Tb tomei risperidona, mas não me dei bem, aliás, me dei muito mal, sentia náuseas, tontura. uma pressão na cabeça que me fazia sentir vontade de bater com a cabeça na parede. Daí fui testando outras medicações. Agora faço uso de Seroquel XRO, Prystic e Rivotril. Fisicamente ainda me sinto muito indisposta pelo ganho do peso, mas começo a reagir, a sair um pouco da apatia em que me encontrava. Achei interessante a questão da vergonha, pois vivenciei e ainda vivencio isso, mas de forma diferente. Sentia vergonha de estar doente, pois sempre fui uma pessoa ativa, sempre fui referencial para as pessoas próximas e, de repente, me afastei de tudo, caí em depressão, me isolei. E sofro pq sinto que jamais serei a mesma de antes. E apesar de tudo, sempre senti orgulho de mim mesma. Mas depois que adoeci, sofro por não aceitar este novo Eu, debilitado, limitado, deformado por fora e por dentro. Como vc, tb me sinto muito bem com o isolamento. Sei que preciso sair de casa, preciso caminhar, mas não consigo, me sinto insegura, não quero ter contato com vizinhos. Muito estranho tudo que tenho vivido nos últimos 7 anos.
Pude ver muito de mim em você…
Sou filha única e creio que sempre sofri de depressão mas não percebia os sintomas. Há 9 anos atrás, fui diagnosticada com Síndrome de Cushing e minha vida virou um inferno. Deixei de fazer tudo que mais amava. Após a cirurgia, fui diagnosticada com agorafobia, TOC, síndrome de ansiedade generalizada e ansiedade devido ao Cushing. Tudo foi para o fundo do poço quando meu pai faleceu, fará 4 anos em abril. Tomo remédios para depressão, ansiedade e para dormir. Não consigo ver graça em nada. Fico dias sem sair da cama e não quero falar nem ver ninguém. No momento, o que eu mais queria era morrer ou sumir. Faço acompanhamento no Hospital das Clínicas mas não consigo sair do fundo do poço. Amo animais e a única coisa que talvez me trouxesse a vida seria trabalhar para eles e com eles. Mas morro em uma cidade do interior que não tem nada e no momento, nem estímulo tenho de fazer algo. Não achei a segunda parte de sua história mas tenho certeza que vc venceu esse mal. Parabéns. Só quem sente, sabe como é…
Super interessante sua auto percepção. Já ouvi inúmeros relatos de pessoas vítimas deste mal, entretanto, jamais pude observar tais relatos com tamanha clareza. Em determinados momentos pude experimentar por um momento um sentimento grotesco e voluptuoso, como se não fosse eu mesmo dentro de mim. É como se relutasse em lutar contra minha própria submissão. Certamente a experiência fora avassaladora, e não tenho como negar que me sinto, de certa forma perplexo, em ver que pôde partilhar dessa experiência abertamente. E isso me alegra e me deixa feliz por você talvez ter superado parcial ou integralmente essa fase.
Acupuntura Coreana nas Mãos (Sem Agulhas) apresenta uma técnica inédita e revolucionária para auxiliar nos tratamentos de diversas doenças e enfermidades. Eu super recomendo este curso, meus parabéns pelo belo trabalho que você vem desempenhando.