É muito simples. Assim como os cachorros latem e as pombas arrulham, os gatos miam e as mulas zurram, os patos grasnam e os cavalos relincham, as pessoas falam. E quase sempre falam o que querem, quando e como quiserem. Fazer o quê?
Diferentes das galinhas, que cacarejam quase sempre do mesmo jeito, pessoas se expressam de modos diversos. Porque são diferentes, ora essa! Têm vozes distintas, pontos de vista discrepantes, impressões variadas sobre a vida. Logo, dizem, pensam, sentem e fazem coisas desiguais.
Pior: tem gente que diz uma coisa mas pensa outra, sente uma terceira e faz uma quarta. Acontece muito. Quase sempre, o que uma só pessoa diz é diferente do que ela faz, que por sua vez é diferente do que ela pensa, que é diferente do que ela sente. Mas essa é outra história.
Importa mesmo é que ninguém é obrigado a concordar com nada. Aliás, discordar e divergir não é só um direito de cada um. Quase sempre é um dever! Eu posso e devo discordar de quem faz algo que me ofende ou agride. Aceitar, jamais. Nem em nome da boa convivência! Se eu não aceito, eu me manifesto.
E aí é que está: pessoas também são diferentes em seu jeito de se posicionar contra o outro. Tem gente que xinga, que briga, que bate, gente que tenta conversar, explicar, mudar a opinião e o jeito de ser alheios. E tem gente que dá as costas e vai embora. Deixa o outro ser quem ele é e pronto. São os meus favoritos.
A vida é um sopro. Pra que jogar tempo no lixo? Escolho outras pessoas com quem estar ou sigo em frente só. Agora, tentar mudar o outro, transformar as visões e atitudes arraigadas em seu jeito de ser, “corrigir” à força o que achamos errado, aí já é um pouco demais. Tiro n’água, murro em ponta de faca, peteleco na própria orelha. Perda de tempo.
Afinal, o outro não é obrigado a pensar como eu. A sentir como eu sinto. A fazer o que eu faço. Se assim fosse, ele seria eu. E não o outro.
Pensando desse jeito, me custa entender por que tanta gente berra, chora, esperneia e rosna quando avista algum raciocínio aparentemente discrepante do seu.
Agorinha ainda, um sujeito senhor da razão, desses que compraram a verdade e a trancaram num cofre, deu de ofender a minha mãezinha assim, sem mais, depois de ler uma croniqueta que escrevi sob o título “Fuja das almas mesquinhas. Viver é um exercício de grandeza”. Pois o sujeito, descendente direto de Moisés, veio bater em minha cara com a tábua do décimo primeiro mandamento. Nosso único diálogo foi mais ou menos assim:
Ele: ALMA MESQUINHA É A PROSTITUTA QUE BOTOU VOCÊ NO MUNDO!
Eu: Perdão?
Ele: PREFIRO SER MESQUINHO DO QUE SER COVARDE, QUEM FOGE É COVARDE!!!
Eu: Ah, é? Que bom pra você!
Ele: TE CHAMEI DE COVARDE. VOCÊ É BURRO, SURDO OU SEU EGO GIGANTE NÃO TE DEIXA ENXERGAR NADA ALÉM DO SEU UMBIGO?
Eu: Sou tudo isso ao mesmo tempo. Obrigado. Você também é ótimo.
Ele: NÃO SIGO NUNCA MAIS ESSA B… DE PÁGINA!!!
Eu: Au revoir.
Ele: VAI SE F… SEU FILHO DA P…!!!
Eu: Você também, meu irmão…
E bloqueei o sujeito para todo o sempre. Não por moral ou por grandeza. Foi por preguiça mesmo. Sempre é. Confesso meu pecado mais recorrente. Tenho a mais funda preguiça de gente rasteira, superficial, incapaz de aceitar que cada um pode pensar de seu jeito. Gente muito disposta a arrastar o outro à força para seu jeito pessoal de ver o mundo me dá enjoo, desencadeia minha labirintite.
Ainda que eu passasse a madrugada explicando que a crônica é só uma reflexão impessoal, que não está julgando um cidadão ou outro, que tão somente pondera sobre a falta de grandeza que nos assola a todos e lá vai conversa, de nada adiantaria. Meu interlocutor só ficaria satisfeito se ouvisse de mim: “você está certo. Eu sou um idiota. Desculpe-me por ter pensado que podia pensar do meu jeito.”
Lamento, mas isso eu não faço.
“Ouvir” o outro não significa necessariamente “concordar” com ele. O fato de eu discordar de alguém não quer dizer que eu me recusei a escutá-lo. Eu ouvi e não concordei, ué.
Deixemos o outro ser quem ele é: o outro. Se ele não me agrada ou me faz mal, passo de lado e sigo em frente. Para longe, para bem longe.