Quantas vezes, vestida do melhor sorriso encontrado refletido no espelho – que insiste em me dizer que não sou tão alegre, tão bonita e tão inteligente, quanto gostaria – saí para o trabalho, para a escola ou para ver amigos.
A mesma maquiagem ao redor dos olhos, o batom vermelho, a gravata bem alinhada, a camisa com o colarinho alvo, a aparência de estar bem. Sim, para esse instante, tudo bem.
Mas, de repente, a frase mal dita, o atraso no prazo, o sal em exagero na comida fria, o salto muito alto que aperta os pés, aperta a garganta, enfurece a mente. Explodo. É esperado que nem todos os dias sejam bons, que nem todas as palavras sejam carinhosas, que nem todos os olhares sejam de caridade.
Nessa explosão momentânea sou vista com olhos de repugnância, de assombro, de “se contenha”. Mas tem horas em que o corpo vibra e a cabeça explode. Não há como conter.
Minha instabilidade mental pode ser harmonizada com medicamentos que me colocam, invariavelmente, dentro dos padrões da suposta normalidade. Mas existem dias em que nem eles dão conta do pavor existencial que se instala em mim.
Tenho vontade de derrubar as prateleiras do supermercado, de jogar meu lixo pela janela do carro, de correr velozmente no sentido contrário da rodovia. Andar na contramão.
Para aqueles que possuem, como eu, o dispositivo da loucura infiltrado dentro de si deste o nascimento (ou quem sabe até antes), saber conciliar a realidade da ilusão é o grande desafio.
Não sabemos se o que ocorre está na realidade de dentro ou de fora, mesmo lendo em sites de autoajuda, ouvindo dos gurus, repassando frases positivas, de que tudo acontece dentro.
Então, se tudo acontece dentro, posso esbravejar que a minha insanidade é fruto do meio em que vivo? Posso aceitar a imposição da mente coletiva ao exultar que ter liberdade é causar danos maiores do que os que me acometem?
Saio para a rua e ataco aquele que pensa diferente de mim, coloco sangue nos olhos daqueles que não compreendem a minha dor.
Só isso?
Olho para o meu rosto cansado no espelho e me pergunto até quando posso sobreviver dependendo da aceitação alheia, por qual motivo não dou o primeiro passo e aceito o limite alheio, de que maioria não reconhece a dor que sinto?
Eles, os outros, simplesmente não enxergam a minha dor. Não conseguem sobreviver com os meus impasses, com os meus gritos, com meus olhos tristes. Eles, não eu.
Então, com a reflexão que me cabe, pois além de me sentir desequilibrada – sei que em mim habitam seres capazes de causar pensamentos dolorosos – consigo me colocar no lugar do outro. Esse é meu grande poder, que me faz anti-herói.
O poder de compreender que as armas nos punhos apenas me faz igual aqueles que não desejo ser; de que me livrar da dor através da agressão apenas me faz igual aqueles que riem do meu modo de falar, de andar e de pensar.
Eu não preciso responder com agressão para as agressões que recebo.
Sou infeliz na minha loucura quando não a aceito.
Nos momentos em que abraço a minha falta dessa lucidez que vocês chamam de “normal”, é quando me olho no espelho e vejo além maquiagem, do sorriso. Olho, nitidamente, para dentro.
Quando me aceito com aquilo que vocês chamam de imperfeição – que eu chamo de desigualdade – é que coloco a disposição o que tenho de melhor: a minha capacidade de amar.
Não faço guerra, faço amor. Essa é a minha arma, é nela que acredito.
Assim respondo para essa sociedade: com o meu exemplo, com a dignidade daquele que sabe que existe um mundo bem melhor, feito por valores de amizade, de compaixão, de respeito. Isso sim é ser sóbrio.
(Texto: Natthalia Paccola)
*Este artigo reflete observações pessoais feitas após assistir ao filme “Coringa”,não há crítica ou análise de cenas e interpretações alheias.
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