Pois é, aqui está um tema bastante frequente em nosso cotidiano – mais do que deveria, eu acredito -, mas, por várias razões, é ainda uma questão bem desconhecida pela maioria das pessoas, muito embora quase todo mundo experimente essa reação vez ou outra.
Creio que vale a pena saber um pouco mais a respeito. Me acompanhe.
A natureza da raiva
A raiva é uma emoção básica produzida pela nossa amígdala cerebral – o centro identificador do perigo – e, uma vez disparada, pode variar de intensidade, ou seja, começando desde uma leve irritação, passando por uma frustração mais intensa e até mesmo atingir um grande estado de fúria.
Como as outras emoções mais primitivas que temos – a tristeza e o medo -, sua manifestação é acompanhada por importantes mudanças fisiológicas como, por exemplo, frequência cardíaca aumentada, pressão sanguínea elevada e, finalmente, intensa liberação de alguns hormônios.
Proveniente de vários estímulos, ela pode ser “acionada” por fatores externos, como uma exaltação causada por alguém que nos trata de maneira desrespeitosa, mas, também, provocada pelos fatores internos, isto é, quando nos recordarmos de um evento passado, em que agimos insensatamente e nos arrependemos por ter agido de “cabeça quente”.
Em outras palavras, a raiva tem como função colocar o corpo em “prontidão para agir”, ou seja, lutar ou mesmo fugir frente às ameaças e, o mais importante, esse foi um relevante recurso biológico herdado desde nossos ancestrais.
Caso você não saiba, a emoção de raiva foi fundamental em nosso processo evolutivo e, por essa razão, ainda é muito presente em nosso repertório comportamental.
Eu explico.
O impulso da raiva
Há aproximadamente 200 mil anos, a expressão da raiva assegurava uma importante forma de controle, sobrevivência e de regulação social.
Frente aos problemas mais imediatos que nos circundavam – como lutar por um pedaço de território ou brigar por um naco de comida -, a forma mais natural de garantir nossa respeitabilidade era mostrando nosso poder de combate e, assim, a raiva, manifesta através dos comportamentos intimidadores, era uma grande maneira de ganhar respeitabilidade e prolongar nossa sobrevivência.
Por outro lado, muito tempo se passou de lá pra cá, mas nosso cérebro guardou intacto esse importante princípio de manutenção da vida e, ainda hoje, quando alguém “invade nosso território ou nos ameaça” através de condutas, obviamente mais “ofensivas”, como uma fechada no trânsito ou uma furada de fila no cinema, nosso cérebro mais primitivo dispara os velhos mecanismos de raiva que prontamente entram em ação.
Muito embora nossas emoções, às vezes, nos digam para agir de forma impiedosa, felizmente, temos outras regiões do cérebro que executam o chamado “freio comportamental” e, dessa forma, comandando nosso comportamento, nos conduz de maneira mais civilizada e sensata, mantemos presente as bases de um convívio social pacífico.
Assim, uma coisa é clara: as vias cerebrais da raiva ainda estão lá prontas para serem ativadas, entretanto, como evoluímos, a manifestação da raiva – teoricamente falando – deveria ter também sido alterada e adaptada para os dias atuais. Mas, infelizmente, muita gente, ainda, não tem essa consciência e esse controle.
A expressão de raiva
As pessoas, de uma maneira geral, usam uma variedade de estratégias conscientes e inconscientes para lidar com seus sentimentos de raiva. Como ser agressivo, nos dias de hoje, não é lá uma boa estratégia de marketing pessoal, tentar suprimir essa emoção é o que muitos fazem. Obviamente, nos menores patamares de indignação, isso pode até ser uma tarefa fácil, entretanto, quando nos sentimos efetivamente desconsiderados ou desqualificados de maneira injusta e evidente, “engolir a frustração” não é muito simples.
A esse respeito, Aristóteles já dizia: “Ficar com raiva é fácil. Mas ficar com raiva com a pessoa certa, no momento certo, pela razão certa, do jeito certo – isso não é nada fácil”. Assim sendo, muitos indivíduos em situações de raiva ou a engolem ou, deliberadamente, não freiam suas reações – muitos dizem que “não conseguem” – e, dessa forma, agem de maneira impulsiva e bastante destrutiva, como nossos velhos ancestrais já faziam e, depois, muitas vezes, após os estragos terem sido feitos, voltam atrás, sentindo culpa e tentam se justificar.
Portanto, o ponto central aqui seria a capacidade de se autocontrolar.
Eu explico.
Comunicando adequadamente a raiva
Tornar-se assertivo – e não agressivo – é uma das maneiras mais saudáveis de expressar nossa indignação. Para fazer isso, temos que aprender a deixar claro quais são nossas necessidades, sem que com isso tenhamos que ferir os outros pelas palavras ou pelos atos. Ser assertivo, então, não significa ser confrontador, mas ser transparente, de maneira pontual, em relação a si mesmo e aos outros.
Sentir raiva e expressá-la, não requer, necessariamente, que sejamos agressivos. E aqui está a “elegância” do processo.
Há uma maneira mais adequada de comunicar nosso sentimento e neutralizar as agressões do ambiente, tornando-o mais forte perante os demais.
Vamos a um exemplo, ou seja, imagine a seguinte situação: Você está em uma conversa de grupo e sempre que verbaliza alguma coisa, uma pessoa em particular o ignora ou faz piada de suas colocações.
Essa situação vai crescendo claramente, vai- nos provocando um grande desconforto e, de duas, uma: ou você se cala e engole – e sai falando mal da pessoa depois -, ou para e pontua seus sentimentos.
E a pergunta clássica é: “Como fazer isso?”
Eu conto.
Quando você estiver se sentindo enfurecido/desrespeitado, use a seguinte regra para expressar seu sentimento: “pontue, primeiramente, o comportamento que o deixa mal – da forma mais neutra possível – e, em seguida, diga como se sente”. Isto é, algo mais ou menos assim: “cada vez que X acontece, eu me sinto Y”.
Por exemplo, na situação descrita acima, você poderia dizer: “Fulano, quando você faz piada de meus comentários, eu me sinto desrespeitado”.
Novamente em uma situação real.
Veja que o processo é expressivamente diferente de quando estamos nessa situação e silenciamos apenas – o que não é saudável para nossa saúde e equilíbrio psicológico -, ou frontalmente dizemos: “não gosto de você”.
Observe que, ao expressarmos nosso desconforto de maneira clara, pontual e direta, não damos margem alguma para réplicas ou discussões, pois é o relato do que “sentimos” e ponto. Mas, ao agir agressivamente, acusando e responsabilizando o outro, fazemos com que o processo de discussão se torne interminável – além de, obviamente, mostrar a falta de controle emocional -, pois ninguém, usualmente, tem coragem de assumir a “culpa” pela agressão inicial.
Ficou claro?
A responsabilidade pelo que sentimos é, em última instância, nossa, mas, ao afirmar que esse desconforto pode estar sendo criado pelo ambiente (ou por alguém), normalmente temos o poder de interromper as agressões externas.
Expressar nossos sentimentos de raiva, de maneira correta e adequada, é um dos grandes diferenciais das personalidades mais maduras. Assim, falamos de nossa raiva e de nosso desconforto sem sermos agressivos.
Ajudamos nosso cérebro primitivo a nos proteger e restituímos o controle das situações desconfortáveis.
Conclusão
Quando conseguimos perceber – sem suprimir – nosso desconforto de incômodo, manejamos a raiva de maneira a redirecioná-la (positivamente) a nosso favor.
Raiva não expressa pode criar outras formas de problemas como, por exemplo, somatizações de várias ordens.
Pode também levar às expressões patológicas de raiva, como comportamento passivo-agressivo (voltar-se indiretamente às pessoas, sem dizer-lhes por quê, em vez de confrontá-las), desenvolvendo uma personalidade que parece perpetuamente cínica e hostil. Pessoas que estão constantemente colocando os outros para baixo, criticando tudo e fazendo comentários cínicos, não aprenderam a expressar sua raiva de forma construtiva.
Propiciar os quadros de Transtorno Explosivo Intermitente, ou a síndrome do pavio curto e, finalmente, pode levar também aos quadros de depressão, pois raiva não expressa, com o passar do tempo, muito provavelmente irá se tornar tristeza.
Assim sendo, da próxima vez que começar a se sentir incomodado, recorde-se da regra – “cada vez que X acontece, eu me sinto Y (muito agredido, por exemplo)” e você pode até completar, se desejar: “eu não gosto de me sentir assim”.
Preste atenção a essas situações e trabalhe com essa ideia, não é difícil.
Eu tenho certeza de que você irá se surpreender com a força que uma colocação bem-feita (de seus sentimentos) poderá provocar no ambiente e dentro de você.
Portanto, não deixe que sua raiva controle você. Aprimore-se e use-a a seu favor.
(Imagem: Nathan Cowley)
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