Comportamento

Comunicação não verbal: eu e meus comportamentos involuntários

Marisa sempre foi uma garota sorridente, escandalosa em seu tom de voz e cheia de vida. Lembro de ouvir meu pai compará-la a um furacão: por onde passa deixa fortes rastros. Na contra mão disso, Luciano seu noivo é um rapaz sereno, desses que como diria minha avó “pensa até para morrer”.

E em meio a essa diferença de caos e maresia, ressurge Altair. Um rapaz alto, com aperto de mão forte, e voz rouca, que outrora fora o dono do coração de Marisa. A moça respeitosamente troca com ele conversas de boas memórias vividas numa época não tão distante, e pensa estar tudo fluindo como de costume, porém, aos olhos de Luciano tudo está tão claro quanto à lua que banha a noite com sua luz. Os olhos da noiva brilham, seus pés estão voltados para o lado onde Altair está sentado, e sua mão poucos centímetros à distância das mãos dele.

Luciano não sabe ao certo como explicar, mas a projeção do corpo da noiva revela a ele tantas coisas, que talvez nem ela mesma saiba o que está acontecendo.

Nossos corpos realizam movimentos involuntários a todo instante. Sem nos dar conta, respiramos, piscamos, temos o sangue bombeado pelo coração, as células morrem e se renovam, os cabelos crescem, os rins filtram, o aparelho digestivo processa, o cérebro pensa, e tantas mais atividades realizadas em milésimos de segundo, sem que tenhamos de parar uma de nossas atividades a fim de realizar outra.

A máquina perfeita da criação – o ser humano – foi milimetricamente pensado, a fim de que quando parar pare de uma só vez, e então descanse. Por isso não nos preocupamos em diariamente abrir as comportas internas para passagem do fluxo sanguíneo, ou mesmo regar os fios de cabelo na esperança de que cresçam. Automaticamente os processos naturais ocorrem todos os dias, a todo instante. Da mesma forma que o corpo, nossas emoções constantemente são liberadas, gerando reações que vem de dentro para fora, capazes de expor o lado baixo do iceberg que há dentro de cada um de nós.

As teorias de Freud e Jung apesar de diferentes, fundem-se na ideia de que cada um de nós é como um iceberg, onde a parte imersa em água, ou seja, aquilo que os olhos não veem, é tão maior que a parte visível. Sendo nós então a ponta sobre as águas e a base abaixo delas simultaneamente, viveremos na superfície os reflexos de tudo o que ocorrer na parte de baixo. Traduzindo: quando o fundo do mar (ou nosso interior) estiver agitado, a superfície (ou nosso exterior) dará sinais explícitos, perceptíveis através de olhares, tom de voz e escolha de lugar para sentar, por exemplo.

Jung define os comportamentos do inconsciente como “(…) tudo o que eu sei, mas em que não estou pensando no momento; tudo aquilo de que um dia eu estava consciente, mas de que atualmente estou esquecido; tudo o que meus sentidos percebem, mas minha mente consciente não considera; tudo o que sinto, penso, recordo, desejo e faço involuntariamente e sem prestar atenção; todas as coisas futuras que se formam dentro de mim e somente mais tarde chegarão à consciência; tudo isto são conteúdos do inconsciente”.

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Percebemos a força de ação do inconsciente sobre nós quando, por exemplo, ao ver uma pessoa pela primeira vez sentimos que “o santo não bate”. A popular expressão utilizada para evidenciar que aquela determinada pessoa não nos agradou está intimamente interligada com nossos conhecimentos anteriores. Quando conhecemos uma nova pessoa, nosso cérebro realiza uma avaliação do todo, a fim de perceber detalhes na postura do outro que o informem algo útil. Nessa avaliação, tom de voz, gestos, sorrisos e até mesmo características físicas e outros são processados a fim de identificar a possibilidade de amizade ou de problemas.

Se “o santo não bateu”, seu cérebro simplesmente identificou nessa pessoa traços da personalidade de alguma outra pessoa envolvida em uma situação que não lhe foi favorável, e por isso o está avisando sobre o possível perigo. O inconsciente age também sobre situações que envolvam nossas emoções e sentimentos. Um comum exemplo é a busca pela pessoa ideal para um relacionamento.

Certa vez conheci uma jovem que em sua adolescência fora apaixonada por um rapaz de sua escola. Apesar de seus sentimentos, a garota não foi capaz de deixar claro o que estava havendo dentro de si, abrindo espaço para o rapaz surgir acompanhado por outra garota, e foi exatamente o que aconteceu.

A repressão dos sentimentos e a imagem projetada sobre o rapaz foram interiorizadas, e assim, parceiro por parceiro iniciou-se a busca por uma pessoa em outras. Em todos os demais rapazes que participaram de sua vida, havia traços físicos (altura, tom de voz, cor dos olhos) e comportamentais (forma de abraçar, roupas, forma de sentar) semelhantes a do rapaz de sua adolescência.

Essas semelhanças (que não são mera coincidência) revelam uma constante busca inconsciente por suprir uma necessidade originada pelo não esclarecimento de uma situação vivida no passado. O cérebro acumulou a sobrecarga dos fatos acontecidos (boas memórias) e agora constantemente procura reviver a situação a fim de encerrar um assunto inacabado.

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Outra forma comum de resposta do inconsciente está em nossas expressões faciais e corporais. Quando num encontro romântico a pessoa senta-se com a perna cruzada ao lado oposto da pessoa encontrada, demonstra desconforto e pouco interesse. Ao contrário disso, quando um casal conversa, e durante o assunto um deles põe as mãos na cintura ou região lombar do outro, evidencia desejo.

Numa entrevista de emprego, falar olhando para qualquer ponto que não sejam os olhos do entrevistador demonstra que você se sente intimidado e desinteressado, enquanto que estar ereto, com as costas levemente projetadas para frente passa a mensagem de que você se interessa pelo assunto e está confortável naquele momento.

Por vezes nosso inconsciente traz à tona vestígios das muitas explosões que ocorrem dentro de nós, principalmente através de sonhos. É comum, por exemplo, após agendar um compromisso sonhar que a pessoa que o acompanhará simplesmente sumiu. Um sonho como este revela muitas coisas, dentre elas, podemos ressaltar o medo do abandono, originado por um trauma de infância ou por uma traição, exemplificando.

Dentro de cada um de nós há muitas interiorizações acumuladas ao longo dos anos, e são elas as responsáveis por escolhermos vestir azul para apresentar um trabalho na universidade ao invés de vermelho. Quando pensar “não sei por que fiz isso” tenha certeza de que na verdade você sabe, apenas não está conseguindo compreender o que está havendo dentro de você.

Seus traumas, angústias, tristezas, desejos, alegrias e projeções estão despertando em seu inconsciente maneiras de se proteger e também de alcançar o que realmente considera-se importante. Há uma voz silenciosa que grita dentro de você e deseja ser ouvida para que as questões da superfície sejam tratadas na parte inferior, afinal, é lá que elas se originam.

Por tanto, não se desespere pensando não haver solução para o caos que surge em segundos. Busque ajuda psicológica e espiritual para alcançar o que há de mais enraizado em você. Uma árvore só pode crescer se suas raízes estiverem bem firmadas, capazes de buscar alimento; você só crescerá se suas raízes mais profundas forem capazes de encontrar bons nutrientes aí dentro.

Não tenha medo do seu inconsciente; ele revela tantas coisas que podem e devem ser usadas para seu próprio bem. Tenha controle sobre você mesmo e então poderá controlar a ação do mundo sobre sua vida.

Raquel Gonçalves

Há quem diga que os olhos são a janela da alma, então, no meu caso, eles são uma janela bem grande e aberta. Amante das artes, do universo e das palavras, necessito de música para viver, dos astros e estrelas para pulsar e dos versos para existir. A publicidade me escolheu; por isso anuncio paz, promovo sorrisos e transmito intensidade. Sou colunista do Fãs da Psicanálise.

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