“Seja bom e faça o bem”.
Esta foi a mensagem final que o monge budista Matthieu Ricard deixou para a plateia do auditório da Editora Abril, São Paulo em sua palestra para lançar a versão em português do livro “A Revolução do Altruísmo” (Editora Palas Athena). No entanto, ao contrário do que muitos poderiam pensar, a fala não traz nenhum tom moralizante, mas sim pragmático.
Em um mundo em crise econômica e ambiental, a solução, segundo ele, está basicamente no altruísmo. Nascido na França, Ricard é Ph.D em biologia molecular pelo Instituto Pasteur, mas abriu mão da carreira científica para se dedicar à prática do budismo e, hoje, é conhecido como o “homem mais feliz do mundo”.
O grande mote de seu livro é mostrar como conciliar as necessidades individuais e coletivas das pessoas e do planeta, no presente, em um prazo intermediário e no longo prazo. A resposta, que vem encadernada em 720 páginas, se resume a uma tarefa simples e desafiadora, ao mesmo tempo: começar a se importar com os outros.
Altruísmo verdadeiro existe?
Quando se fala em altruísmo, muitas pessoas podem pensar que essa qualidade não existe genuinamente e que o ser humano é, em regra, egoísta. Nada mais equivocado, de acordo com Matthieu Ricard. Em entrevista coletiva dada à imprensa ele esclareceu que é errado dizer que uma pessoa altruísta é aquela que somente pensa no bem-estar dos outros, em vez de si mesma.
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“Nós sabemos que há egoísmo no mundo, mas o maior erro é pensar que somente há egoísmo”, afirmou. A falsa ideia de que o mundo está permeado de pessoas que só pensam em si mesmas é, na opinião do monge, em parte criada pela mídia, que prioriza as notícias ruins e catastróficas nos noticiários.
“Vi uma pesquisa interessante que diz que um jovem do Reino Unido, aos 20 anos de idade, já ‘viu’ cerca de 40.000 assassinatos por meio da mídia. Isso não é a vida. Nós precisamos parar com isso”, disse, chamando atenção para o fato de que não há estudos que comprovem que o ser humano é egoísta por natureza. “Há somente uma ideia, um preconceito”.
Outra concepção corriqueira, mas também combatida por Matthieu Ricard, é a que afirma que o altruísmo genuíno não existe, pois, mesmo quando alguém faz o bem para outra pessoa, o benfeitor estaria se beneficiando com o sentimento de satisfação e orgulho de si próprio (o chamado “Warm-glow giving”). A verdadeira abnegação exigiria o sacrifício pessoal.
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“Isso é muito bobo”, diz. Ricard acredita que a sensação positiva de fazer o bem é somente um “efeito colateral” do altruísmo. “Fazer o bem para alguém e não se sentir bem por isso é o mesmo que ter uma fogueira que queima, mas não traz calor”, compara.
Ao quebrar a concepção de um “homem que é lobo do homem”, ele busca abrir as portas para outra etapa do trabalho: desenvolver o altruísmo individualmente e fazê-lo crescer culturalmente, para melhorar não apenas pessoas, como também o próprio planeta.
Porque vale a pena ser altruísta
Além do “calor interno” provocado pela boa ação praticada (que nada tem a ver com egoísmo), Matthieu Ricard defende que há outros benefícios em adotar uma postura e um pensamento voltado ao bem alheio. Segundo o homem mais feliz do mundo, o altruísmo é um dos mais importantes ingredientes para a felicidade.
Esse “estado de graça” a que se refere, porém, não está ligado ao prazer permanente (o que é impossível). Pelo contrário, ele é um modo de vida construído por diversos ingredientes e marcado pelo bem-estar, pelo equilíbrio emocional e por relações sociais saudáveis.
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O consumismo (e, por tabela, o individualismo) caminha na contramão disso. Uma pesquisa científica citada pelo monge indicou, por exemplo, que pessoas muito centradas em bens materiais são menos felizes do que aquelas mais “desapegadas”.
As primeiras, que costumam buscar o prazer, não a felicidade, têm menos equilíbrio das emoções, menos saúde, mais vícios, poucos amigos, são mais obcecadas com a morte e se preocupam menos com os problemas globais. As segundas são o exato oposto.
Outro estudo mencionado mostrou que, no Japão, comunidades com grande número de pessoas com mais de 100 anos de vida são marcadas pelo espírito de cooperação. A conclusão mais lógica, então, seria a de que o altruísmo pode aumentar a expectativa de vida, a imunidade do organismo e a saúde mental.
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Por isso Ricard prega que a colaboração deve se espalhar pelo mundo. Só ela seria capaz, inclusive, de criar um futuro digno para nossos filhos e netos, e para o bioma terrestre. “Nós perdemos cerca de 30% das espécies de animais, de 1950 até 2015. E este é o desafio: como ter uma boa vida e deixar o planeta para as gerações futuras”, disse.
Ao deixar de pensar nos outros (já nascidos e que ainda estão por nascer), as desigualdades sociais se acentuarão e o meio ambiente não terá reservas necessárias para alimentar as necessidades de todo o planeta.
Como ser menos egoísta
Não é preciso ser monge para desenvolver um espírito doador, mas é necessário treino mental. Uma das alternativas para reprogramar o cérebro e ter atitudes mais altruístas é fazer a meditação “loving-kindness”, também chamada de “amor-bondade”, “bondade amorosa” ou “da compaixão”.
A técnica consiste em mentalizar o desejo de que todos os seres (até mesmo seu maior desafeto) sejam felizes. No começo, pode parecer muito difícil, mas Matthieu Ricard garante que tudo melhora com a prática. Segundo ele, 20 minutos por dia de meditação, durante duas semanas, são suficientes para que surjam os primeiros benefícios, como aumentar a empatia, o equilíbrio emocional e reduzir os preconceitos.
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“Você deve gastar tempo com isso, assim como gasta tempo com várias outras coisas, como ver TV ou ir a um restaurante. Treinar a compaixão pode ser muito útil”, afirmou. Para demonstrar isso, ele citou outro estudo, feito com crianças em escolas na Inglaterra.
Na ocasião, elas realizaram diversas atividades ligadas ao altruísmo, inclusive meditação, por determinado tempo. O resultado foi: meninos e meninas mais concentrados, mais atenciosos e menos discriminadores.
Se sua rotina não dispõe nem mesmo de 20 minutos para esta prática, uma alternativa inventada por um amigo de Matthieu, que trabalha no Google, pode ser a solução. A técnica adaptada consiste em parar os afazeres e meditar por apenas 10 segundos, a cada hora trabalhada. A ideia é olhar para as pessoas em volta e pensar ‘que você seja feliz’, ‘que você fique seguro’, entre outras boas vibrações.
Quando ficou sabendo da inovação do amigo, o próprio monge ficou incrédulo sobre os possíveis benefícios, mas, com o tempo, se convenceu de seu potencial benéfico. De acordo com Matthieu, a prática melhorou o ambiente de trabalho na empresa.
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“Eu percebi que, na verdade, não são apenas 10 segundos de meditação, porque os efeitos dela continuam. É como se você abrisse um vidro de perfume por 10 segundos a cada hora. No final do dia, o ambiente estará perfumado”, comparou.
A meditação “a jato” ainda não teve comprovação científica, mas, na falta de tempo, não custa tentar. Afinal, ninguém pode reclamar que não tem sequer 10 segundos para tentar mudar o mundo.
(Autora: Luciana Carvalho)
(Fonte: exame.abril.com.br)
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