Erika Pallottino é psicóloga há 16 anos e há dez tornou-se especialista em luto. Em 2012, foi cofundadora do Instituto Entrelaços, que presta suporte clínico para pessoas que perderam entes queridos. “Criamos recursos para transformar um mundo que mudou radicalmente após uma morte. Junto com a dor da ausência, há um profundo choque pelo trauma”, descreve.
“Tragédias que envolvem acidentes ou emergências, como de Brumadinho ou do Ninho do Urubu, têm particularidades. Junto com a dor e o pesar, existe um sentimento de injustiça, raiva e impotência. Perdas repentinas retiram a chance de despedidas, de possíveis reparações, de ajustes de pendências da vida.
É uma retirada brusca e radical, e isso pode provocar uma reação aguda de luto, diferente daquele que vemos quando alguém morre devido a uma doença, pois nessas situações houve, muitas vezes, tempo para despedidas.
Lutos muito agudos podem também acontecer quando vemos a morte de crianças – o ciclo da vida parece invertido. Falta sentido.
Nos sentimos mobilizados emocionalmente mesmo quando não conhecemos as vítimas porque temos empatia à dor do outro, reagimos à imagem do sofrimento alheio.
No acidente aéreo em que morreu o time da Chapecoense, em 2016, vimos um estádio lotado de pessoas chorando. De repente sinto o luto me atingir, coletivamente o luto acontece mesmo quando não existe vínculo íntimo com quem se foi. Isso ocorre porque a dor do outro é também uma dor sentida por mim pelas minhas questões, pela identificação e ameaça à perda, olho ao meu redor e tenho medo de perder as pessoas que amo.
Então, junto com a solidariedade e empatia à dor do outro, sinto receio pelos meus, sinto medo de perder também quem eu amo. A dor encosta em mim. Este é um dos efeitos de uma grande tragédia: ela nos coloca em situação de alarme, nos faz pensar que tudo pode mudar de uma hora para outra, retira bruscamente a ilusão de controle e previsibilidade do mundo.
O luto pode trazer complicações de saúde e, segundo alguns estudos apontam, as mulheres são a população mais vulnerável, junto com os idosos. Viúvas adoecem mais depois da perda de cônjuges, procuram por mais cuidados médicos no primeiro ano de luto. Se houver uma propensão, o estresse agudo provocado pela perda provocará um desequilíbrio biológico e orgânico.
O luto, então, pode adoecer.
Os homens, por sua vez, não têm espaço social reconhecido, como as mulheres têm, para expressar medos, dor e luto. Sofrem uma hesitação do pesar, como se tentassem controlar seus sentimentos, e inibem o luto, o que pode também trazer malefícios para a sua saúde.
Com o tempo, a dor do luto tende a diminuir de intensidade, mas estará sempre presente. O vínculo é contínuo, não se encerra com a morte. Acontece como se em cada lembrança, em cada saudade, a dor retornasse, ela passa também a fazer parte de mim.
Por isso, falamos hoje em adaptação ao processo de luto, não mais em sua aceitação. Eu aprendo a conviver, a encontrar um espaço interno para acomodar a minha dor.”
(Fonte: epoca.globo.com )
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