No país da alegria, do futebol, do Carnaval e do “jeitinho” parece que não se tem a menor noção de que nem sempre a gente ganha. Apesar de quase sempre percebermos que o sofrimento vindo das nossas perdas acaba sendo o mais intenso e difícil de superar, poucas pessoas se importam, de verdade, em aprender com isso.
Encontramos centenas de livros, programas de treinamento, cursos de reprogramação de linguagem, de modo de ação, de existência que só pregam ganhos ou resultados positivos. Indo na contramão disso, a vida mostra que os maiores aprendizados não estão disponíveis em cursos preparatórios de vitórias, e sim no dia a dia da experiência da perda, nos ensinamentos que vêm à tona a partir dos fracassos. Tudo isso quando nos permitimos parar e olhar para o que aconteceu.
Geralmente, as pessoas não se abrem para refletir sobre um tropeço, uma queda, um fracasso, enfim. Elas perdem um tempo precioso, que poderia ser dedicado a pensar sobre aquilo que ocorreu, ficando somente nas lamentações e nas percepções de vítimas dos eventos – e quase nunca como protagonistas da própria vida. Experimentar uma perda será muito mais fonte de sofrimento se não formos capazes de viver de maneira integral o que nos é oferecido.
Se em um relacionamento não tivermos a experiência da entrega de maneira integral, no instante em que ele termina a dor do que não foi vivido pode ser absurda. Num mundo como o nosso, a entrega para a experiência de vida acaba sendo evitada, por uma desculpa de autoproteção.
Se não damos o nosso melhor, não há como perceber o quanto o outro se transformou a partir do encontro conosco. E, se não aceitamos o que o outro nos ofereceu, jamais vamos nos dar conta do quanto ele nos transformou também. A ficha cai bem na hora em que não há mais tempo para quase nada, ou, pior, no momento em que a relação morreu, acabou, deu seu último suspiro. A grande dificuldade que temos em um relacionamento, por exemplo, é que nenhuma das partes envolvidas fala ou mesmo analisa sobre a possibilidade do fim antes que ele chegue de maneira definitiva.
Queremos acreditar que tudo é para sempre, que de algum jeito as coisas vão dar certo. Mas, de verdade, nada é para sempre. A dificuldade que temos em encarar que as relações mudam, que as pessoas mudam, e que inclusive nós mudamos é um dos maiores desafios das relações humanas. Aliás, quando falamos sobre a vida profissional, o mundo das perdas também não é muito diferente. Desde jovens somos obrigados a pensar que só há um caminho de sucesso e de felicidade para nós.
E isso, em geral, significa ter uma carreira de muita ascensão, um ótimo salário, uma conta bancária polpuda, uma família no melhor estilo “margarina” (pai, mãe, filhos, com todos sentados numa mesa felizes e animados) e uma saúde eterna. Mas, quando a realidade bate na nossa porta, percebemos que as carreiras de sucesso e a fartura de dinheiro são condições raríssimas e muitas vezes cercadas ou preenchidas de profundas decepções e muito sacrifício.
A família perfeita não existe e, por causa de conflitos com os quais não aprendemos a lidar, as perdas vão se sucedendo e causando muito sofrimento. No entanto, quando a saúde se esvai – esta, sim, muito pouco valorizada perto das outras dimensões do ser humano – é que contemplamos pela primeira vez a possibilidade de nossa real finitude. E é por causa dessa perda que conseguimos olhar para o que realmente importa nesta existência: só deveríamos levar em conta aquilo que não se conta. Não se fala sobre “como perder” nas rodas de conversa, nos grupos de WhatsApp, no almoço de domingo com a família ou na happy hour com os amigos.
Existe curso para tudo, preparo para quase tudo, até para o que pode não acontecer. Por que, então, não somos preparados para perder, fracassar, cair? Há que se entender que não há fracasso diante das perdas ao longo da nossa trajetória. É preciso ter respeito pela grandeza do ser humano que enfrenta seu caminho e o reconhece como fonte de evolução e amadurecimento. O verdadeiro herói não é aquele que foge frente à possibilidade da derrota, mas aquele que a reconhece como sua maior sabedoria. Sempre comento que o que fica é a última impressão.
Você se casa com a pessoa mais incrível do mundo, passam anos juntos caminhando lado a lado, mas daí os desencontros acontecem e a relação termina. Qual a lembrança que, em geral, fica? A dos momentos finais, as brigas, discussões, acusações. E você só consegue manter na memória tudo o que ela lhe fez de mal e sente uma dificuldade enorme ou até uma incapacidade de valorizar o que foi vivido de bom. E que histórias de últimos dias contarão a nosso respeito ao final de uma relação, ou na saída de um emprego?
Como nos comprometemos a valorizar o que aprendemos com experiências importantes que vivemos e que tiveram fim? O sofrimento pelas perdas intangíveis também é um tipo de luto. O processo de restauração da nossa autoestima e de reconhecimento daquilo que temos de melhor leva tempo e trabalho de reflexão. Só quando a gratidão permeia nossos pensamentos ao redor do evento perdido é que o sofrimento do luto vai embora – e isso pode demandar tempo.
E é difícil lidar com a possibilidade de aceitar esse fato quando ainda estamos muito machucados por isso. Mas com paciência e amorosidade teremos chance de nos libertar desses pesos e seguir caminhando com leveza pela vida. A questão é que o tempo do luto por qualquer que seja a nossa perda (um ciclo de trabalho que chega ao fim, o término de uma relação, uma falência, o rompimento de uma amizade) compromete a qualidade do tempo que vivemos.
Isso porque, em geral, a vida segue e parece não haver espaço para pausa e para processarmos o que ocorreu. O que fazer então se a vida pede pressa e a alma pede calma? Penso que deveríamos, primeiro, evitar culpar os outros e, a partir disso, viver o que temos de melhor a cada momento, nos entregando a cada relação. A perda é inerente à vida e faz parte dela.
Ao entender que isso é inevitável, podemos tentar ficar mais apaziguados para não temê-la – ou evitá-la quando acontecer. Acredite, nosso tempo de vida um dia acaba – isso é realmente inevitável –, mas a forma como escolhemos estar aqui pode trazer experiências de imortalidade. Para sermos vitoriosos na nossa jornada é necessário aprender a não ganhar sempre. Perder nosso apego pela tristeza do fracasso é um bom caminho de vitória. Assim, é importante sabermos que, apesar de difícil, podemos escolher como vamos encarar as perdas da vida. Se vamos fazer isso como um sofrimento eterno ou como gratidão.
Artigo de autoria da Dra. Ana Claudia Quintana Arantes, publicado no dia 23 de dezembro de 2016, na série Dilemas, da Revista Vida Simples.
*Texto publicado com a autorização da autora.
Imagem: Andrea Piacquadio