O Brasil não é um bom país para ser mulher. Aqui nós ganhamos menos, somos assassinadas, assediadas, violadas, subjugadas. Temos menos chances de alcançar posições de poder, seja em empresas privadas ou no governo. Os trabalhos realizados por mulheres são vistos como menos importantes. Não podemos fazer escolhas de maneira livre. E tudo isso por um único detalhe: somos mulheres. Porém, de acordo com a constituição brasileira, somos iguais perante a lei e a igualdade de gênero deveria ser uma regra.
Homens têm pênis, mulheres têm vagina, eles não engravidam, nós engravidamos, nossos hormônios não são os mesmos. Tudo isso é biologia. Anatomia. Frequentemente usada para posicionar o sexo feminino em segundo lugar, como já dizia Simone de Beauvoir em 1949. Mas, perante à lei, somos todos iguais. Ou deveríamos ser. E, mesmo assim empregadores, políticos e a sociedade de uma maneira geral enxergam homens e mulheres como seres diferentes. E, claro, para eles nós somos o segundo sexo, o sexo inferior.
De acordo com o Índice Global de Desigualdade de Gênero, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial em 2016, o Brasil é o 79º país menos desigual do mundo entre os 144 avaliados. Levando em consideração participação política, acesso à educação, acesso à saúde e ao mercado de trabalho, a nota do Brasil foi 0.687, sendo 1 a melhor e 0 a pior.
Observando mais de perto do Global Gender Gap Index brasileiro (Índice Global de Diferença entre os Gêneros, em tradução livre), notamos que o acesso à educação e a saúde no país são semelhantes para homens e mulheres. A desigualdade que explica a nossa posição no ranking está na participação econômica e no empoderamento político.
Como assim?
Segundo pesquisa do IBGE feita em 2014, as mulheres ganham 20% a menos do que os homens. Na política, nossa posição cai para 86º. Nosso histórico é vergonhoso: apenas uma mulher chegou à presidência da república. Em eleições nacionais e locais, apenas 30% dos que concorrem a cargos públicos são mulheres. No atual governo, todos os ministros são homens. Apenas 1 das 27 unidades federativas do Brasil é governada por uma mulher. Dos mais de 5 mil municípios do país, menos de 700 são administrados por mulheres. Portanto, a questão de gênero em nosso país é uma questão política. E claro, econômica: as brasileiras ganham, em média, 30% a menos do que os homens, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho.
A simples verdade
A pesquisa The Simple Truth about the Gender Pay Gap (A simples verdade sobre a desigualdade salarial entre gêneros, em tradução livre), feita pela The American Association of University Women (AAUW) em 2017, analisou o cenário da desigualdade nos Estados Unidos. Lá as mulheres ganham em média 20% menos do que os homens.
O estudo também se aprofundou em outros fatores que impactam o salário pago a mulheres. Algumas informações interessantes podem ser aplicadas ao Brasil:
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1) A localização dos empregos faz diferença
Nos EUA, mulheres de Nova York têm salários mais próximos dos homens, ganhando aproximadamente 10% a menos. No pior estado da lista, o Wyoming, elas ganham quase 40% a menos. Essa diferença entre estados também acontece no Brasil. Segundo dados do IBGE de 2015, Roraima é o estado com a menor diferença salarial entre homens e mulheres, recebendo “apenas” 11% a menos do que eles. O Mato Grosso do Sul tem a maior diferença, onde as mulheres recebem apenas 65,1% do rendimento dos homens.
2) A desigualdade é pior para mulheres negras
Trabalhadores negros ganham 20% a menos do que os brancos, segundo dados do IBGE. Enquanto isso, mulheres negras ganham 50% a menos do que homens brancos.
3) Onipresente
O estudo norte americano descobriu que a diferença salarial entre homens e mulheres aumenta com a idade. Isso pode ser traduzido como: quanto maior o cargo, maior a diferença. E, no Brasil, uma pesquisa da Catho divulgada no Dia das Mulheres de 2017 mostra que as mulheres ganham menos do que os homens em todos os cargos, desde do estágio até a gerência.
Mas não é tão ruim…
De acordo com o Global Gender Gap Index, o Brasil está acima da média dos outros países do quesito educação. De acordo com dados do IBGE de 2010, a escolaridade das mulheres é maior do que a dos homens. No entanto, isso não é um ponto positivo para as mulheres no mercado de trabalho.
Uma análise desses mesmos dados feita pela Agência Brasil mostra que na população com 12 anos ou mais de estudo, o rendimento-hora médio das mulheres equivale a 66% a média dos homens. Na população menos escolarizada, com até quatro anos de educação formal, a proporção sobe para 78%. E essa mesma relação foi observada nos estudos da AAWU. A conclusão é que a educação não é efetiva para resolver a desigualdade salarial, uma vez que os rendimentos das mulheres são impactados não só pelo gênero, mas também por sua raça.
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O pior dos abismos
Com base nos dados da pesquisa da AAWU, a luta por igualdade de gênero está diretamente ligada a questões raciais e econômicas. Como disse Simone de Beauvoir no livro O Segundo Sexo, publicado em 1949, “a opressão social que [a mulher] sofre é consequência de uma opressão econômica”.
Beauvoir argumenta que a igualdade de gênero só poderá ser restabelecida quando os dois sexos tiverem direitos juridicamente iguais. E para que isso aconteça, precisamos fazer parte da atividade pública.
Nosso papel na economia é visto como secundário. O presidente do país, Michel Temer, limitou a nossa “grande participação” econômica a “indicar os desajustes de preço no supermercado”. Enquanto as mulheres não forem vistas como parte essencial, assim como os homens, da economia do país, não evoluiremos.
Questionando o machismo
Natália Martins, Mestre em Direito Internacional pela American University Washington College of Law e consultora do Banco Mundial, argumenta que a desigualdade salarial é também uma questão cultural: “A diferença de pagamento entre homens e mulheres é um conceito ultrapassado, criado em uma época em que a mulher tinha um dito ‘papel social’ muito diferente da realidade atual.” E esse papel social não era negativo, mas diferente.
Beauvoir desenvolve sua teoria observando a construção do gênero feminino ao longo da história e ressalta que, na natureza, o machismo não existe. Machos realizam determinadas funções, fêmeas realizam outras, mas, em momento algum, nenhum dos grupos é visto como mais ou menos importante. No mundo dos seres humanos, no entanto, diversas explicações surgem para subjugar mulheres: “Já ouvi diversas ‘justificativas’ para a existência dessas disparidades que vão desde a incapacidade da mulher em se dividir entre trabalho e família, até o suposto descontrole emocional feminino, e falta de objetividade. Entendo essas justificativas como grandes falácias. Mulheres são igualmente capazes de desenvolver tarefas semelhantes às dos homens, com a mesma qualidade técnica e com o mesmo compromisso.” Natália, assim como a maioria das mulheres, já recebeu um salário menor do que o de seus pares masculinos, ainda que estes fossem menos qualificados do que ela.
E todas essas falsas justificativas ignoram um aspecto importante da sociedade brasileira: 40% dos lares são liderados por mulheres, de acordo com dados do IBGE de 2014. Nosso crescente acesso ao mercado de trabalho é uma das explicações para esse cenário. E a desigualdade salarial talvez seja a explicação para que esse porcentagem não seja maior.
A dura verdade da igualdade de gênero no Brasil
O Brasil não é um bom país para ser mulher porque é machista. Natália acredita que a escolha dos nossos governantes refletirá na história da igualdade. “Estamos longe de sermos considerados um país referência nesses assuntos, mas a busca pela igualdade de gênero deve ser diária, de conscientização, quebra de paradigmas e preconceitos. E, acima de tudo, educação social. A escolha dos nossos governantes também dita se nosso país vai avançar ou regredir nesse aspecto. Basta ouvir com ouvidos críticos às propostas de governo e as reações corriqueiras de candidatos a assuntos como racismo, violência doméstica/sexual, e o papel da mulher na sociedade.”
*Texto publicado em: Site Lado M.
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