Família

CASA DE MÃE: SENSAÇÃO DE (NÃO) PERTENCIMENTO

“Eu não tenho casa
Eu moro em casa de mãe
Casa de mãe é bom
Mas é casa de mãe

Eu não tenho casa
Eu moro em casa de mãe
E quando querem meu chamego
Não dá, por causa de mãe

(…)

Um dia vou ter minha casa
Vai ser a coisa mais linda
Com gravuras de Oxossi, Ogum e Mãe menininha”

(Casa de mãe – Criolo)

Chega um momento na vida da gente que a vontade de ter a sua casa, seu canto, se torna evidente. Por diversos motivos: falta de liberdade, de privacidade, de espaço, de autonomia, de silêncio, excesso de cobranças, de exigências, de regras, de zelo…

Sentimos que a casa dos pais (ou de mãe, como diz meu querido Criolo) não é nossa casa. De fato não é, nunca foi, mas é como se só a partir desse ponto começássemos a enxergar e, consequentemente, a nos incomodar com isso.

Experimentamos uma nítida sensação de não pertencimento ao ambiente que a cada implicância, discussão ou simples reclamação, vai se tornando maior. Ao nos tornarmos adultos certas regras de infância passam a não fazer mais sentido.

Que mal tem em “esquecer” de arrumar a cama de vez em quando, se ninguém vai entrar no quarto mesmo? Que diferença faz chegar trinta minutos antes ou depois da hora combinada? Além disso, passamos a perceber nossos pais como pessoas que eles são, não apenas como pais. Sem contar a impossibilidade de ficar sozinho.

Não sei vocês, mas eu adoro e preciso ficar sozinha. Quando não posso fazê-lo sinto muita falta. Tem dias que você simplesmente não está a fim de ver ninguém, nem falar com ninguém, quer apenas ficar a sós com seus pensamentos.

Mas “em casa de mãe” se você se tranca no quarto não demora para alguém bater e perguntar se está tudo bem… No meu caso, às vezes o isolamento dura dias, então logo já levanta suspeita de doença, ou algo do tipo… Quando finalmente conseguimos nossa independência financeira e nos mudamos para um cantinho só nosso, é um alívio.

Aumentam as responsabilidades, mas vale a pena. Basicamente você não pode esquecer de pagar as contas na data certa e de colocar o lixo para fora nos dias que o caminhão passa.

Também tem que comprar comida, não muito para não estragar e nem tão pouco para não ter que ir ao mercado muitas vezes. De resto, você faz as próprias regras. Não tem “dia da faxina” ou “almoço de domingo”. Além da casa sujar bem menos pois é só você, ninguém vai ver a bagunça (claro que essa regra muda quando você vai receber visitas). As refeições são feitas não de acordo com o horário de Brasília, mas sim de seu relógio biológico.

Tudo está liberado: pizza no café da manhã, almoço às quatro da tarde, lanche às três da manhã…

Aí alguns irão perguntar: “você não sente falta da comida da mamãe?” Sim, a gente sente.

Não só disso, mas também do cheirinho dela pela casa, mesmo ela tendo saído antes de você acordar; de deixar o guarda roupa todo revirado por pressa de sair, deixar para arrumar depois e se surpreender que “alguém” já arrumou tudo; de chegar em casa e ter para quem contar algo engraçado que viu na rua; de chegar triste e ter um colinho… Mesmo que esse “colo” seja apenas o conforto de sua presença, sem falar nenhuma palavra…

Mas quando temos o nosso cantinho não perdemos nada disso, pelo contrário: aprendemos a valorizar… Quando não moramos mais com os pais e vamos visitá-los percebemos como aquele lar será sempre “a nossa casa”.

Meio confuso, mas é assim mesmo: a percepção muda completamente. Se antes a sensação era de não pertencimento, de intruso, agora se inverte, passa a ser de total pertencimento afetivo àquele lar. Digo “lar”, pois a casa pode até mudar, mas onde quer que esteja a família, aquele será sempre o “nosso lugar”.

Você pode rodar o mundo, morar em outro país anos e anos, viver viajando, ser um cidadão do mundo… Pode amar sua casa que você fez do seu jeito, com suas coisas e preferências… Mas se há um lugar no mundo em que você sente que pode sempre voltar aconteça o que acontecer… Se há um porto seguro, um habitat natural, esse lugar é casa de mãe.

Ellen Dutra de Oliveira

Graduada em Engenharia Civil, atua como militante em movimento social. É apaixonada por animais, livros, música, filmes, séries e pelos mistérios da mente humana. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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