Para você me enxergar como diz enxergar, confesso, há muitos pontos cegos. Pontos onde muito sou e nada apresento; onde tanto tenho e não revelo; onde há para ler e pouco contei.Para que você me veja como diz me ver, tanto construí e destruí ao longo do tempo, moldando-me seja pelo encontro com minhas verdades como com minhas mentiras, permitindo-me reconhecê-las por cair nas tentações, armadilhas e vitórias da minha própria vaidade.
Eis o paradoxo: eu sou uma amálgama bem planejada e completamente imprevista. E não saberia dizer-te hoje o que é meu desde antes ou o que tomei dos outros e assumi como sempre meu. Vejo que ambos são legítimos, pois que dão-me o preciso lugar onde me percebo e você me vê, ainda que existam tantas mentiras e verdades como pontos cegos a botar-lhes lume.
Creio que assumir histórias e farsas e mofos que colecionei diante da consciência fez-me sentir pela primeira vez honesto, e por conseguinte, inteiro: sem falas decoradas, distrações, troféus, citações, crenças e outras muletas. Senti-me eu mesmo. Originalmente imperfeito. Talvez isto seja o efeito de botar lume e dissolver os pontos cegos.
Não dos teus olhos, mas da minha própria existência.