Terapia

Borderlines e a família Kriptonita

“Por favor Deus, me proteja de mim mesma” esse era o pedido diário de uma Borderline, que sofria de impulsos autodestrutivos.

Quando tomada por esses impulsos era capaz de destruir a si mesma e quem estivesse por perto.

No início, acreditava que suas atitudes autodestrutivas estavam relacionadas à juventude, porém, mesmo com o passar dos anos os impulsos não diminuíam.

Sentia-se sem controle e temia por sua vida, sem entender o porque se colocava diversas vezes em situações autodestrutivas

À primeira vista, os Borderlines aparentam ser sensíveis e compassivos, mas diante de situações em que recordem inconscientemente de sua Família Kriptonita, tornam-se altamente autodestrutivos.

Utilizamos a metáfora da Kriptonita, por ser relacionada aos restos do planeta materno do super-homem (Kripton), que é tóxico a ele.

Da mesma forma, muitos bordelines “definham” diante de seus familiares e de suas “lembranças encobridoras” (Freud, 1900).

Parecem querer fugir de qualquer coisa que lembre sua família, quando na verdade, são extremamente dependentes deles, seja economicamente ou psicologicamente. Procuram, inconscientemente, situações que repitam a sensação de angústia que outrora sentiram mas não conseguiram simbolizar.

Como observou Freud, em Além da Interpretação de Sonhos: “a fuga é o instrumento mais seguro para se cair prisioneiro daquilo que se deseja evitar”.

Se, por um lado podem ser considerados a “ovelha negra” da família, por outro, demonstram ser os membros mais leais e sensíveis do seio familiar. Parecem detectar o desejo inconsciente de seus membros, ainda que não dito e atuam de forma silenciosa.

Esse transtorno é comum em filhos “indesejados”, seja porque os pais eram jovens demais, seja porque o relacionamento acabou ou não tinham condições econômicas e psicológicas para criar o filho, entre vários outros motivos.

Para Michael Balint, nesses sujeitos houve uma falha básica do narcisismo materno.

No entanto, o Psicanalista Francês Jacques Lacan ensina que, a Paternidade e a Maternidade são funções e, por serem assim, poderiam ser exercidas por quaisquer outros familiares (tanto o pai, como a mãe, tios, avós…), portanto, essa “falha básica” constitutiva do Borderline, não é somente da mãe ou do pai, mas de todo o sistema familiar.

Leia Mais: O ser Borderline 

Borderlines são sujeitos que se constituíram sob a égide de uma cicatriz, de uma ruptura psíquica, de um olhar e de um discurso fragmentado.

Uma mãe que diz a seu filho “você é igual ao seu pai” e dias depois grita: “seu pai é um irresponsável, um egoísta…” Muitas vezes, ela não percebe que essa ofensa é absorvida pela criança como sendo contra si e não contra seu pai e que, ao brigar para defender o pai ofendido, na verdade, tenta defender a sua própria integridade psíquica, outrora comparada com a do pai. Essa criança não deseja de forma alguma se tornar adversária do genitor ofensor.

Borderlines vivem no limiar entre vida e a morte. Experimentaram muito cedo sensações de desamparo e destruição antes mesmo de serem capazes de responder a elas.

Sensações como aniquilamento por fome de um bebê, pais ou parentes que praticam “alienação parental”, humilhações físicas, psicológicas, bullying praticados por quem deveria guardar a integridade psíquica da criança no momento da formação de sua personalidade (familiares, professores, amigos ou namorados dos pais), entre outras, contribuem para que o Borderline, tenha a alteração de humor como um traço de sua personalidade.

Não se trata de uma fragilidade de sínteses neuronais que poderia ser compensada com remédios, como no caso dos Bipolares, mas de uma forma de ver o mundo.

“Era como se, minha família materna quisesse uma lealdade que não podia dar, queriam que eu destruísse o meu pai em mim, mas para isso, teria que me destruir, pois, para matar os 50% do meu pai em mim, teria que destruir os 50% de minha mãe e a recíproca também é verdadeira.”

Assim, os Borderlines após adultos se colocam em situações que o relembrem de sua angústia assassina, o limiar da vida (Eros) e da morte (Thanatos) sentida outrora junto a sua Família Kriptonita.

Reencenam o limite da ruína, agora de forma atualizada (vício em drogas, jogos de azar, esportes radicais, alcoolismo, etc.), como também é comum caminharem para o suicídio.

Freud observou em Além do Principio do Prazer (1920), “o objetivo de toda a vida é a morte. As pessoas que vivem um evento muito traumático tem a tendência a reviver tal experiência”.

Importante destacar que, por se tratar de um traço de sua personalidade, medicamentos podem ser benéficos. Porém, o tratamento psicanalítico é mais eficaz, pois busca tratar a família internalizada do paciente.

Dessa forma, o objetivo da análise é operar na “falha básica” do sujeito. Ajudando o paciente a obter mais conhecimento e domínio sobre si, observando quais os gatilhos que o levam a atuar como um “Cavaleiro de Thanatos” rumo a autodestruição. Abrindo assim, a sua ferida narcísica, limpando-a e suturando-a de forma permanente.

Bibliografia:

– Freud, S. Além do Princípio do Prazer. Vol XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
– Freud, S. A Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
– Balint, Michel. A falha Básica. São Paulo: Zagodoni, 2012. 2a. Edição.
– Michelini, Elaine. O Eu em Ruina – Perda e Falência Psíquica. São Paulo: Primavera Editorial, 2010.
– Roudinesco, Elisabeth. Plon, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Fernanda do Valle

Fernanda do Valle é Psicanalista do FV Instituto, formada pelo Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo, atua como Psicanalista desde 2009, seguindo uma orientação Freudiana e Lacaniana, atende jovens e adultos em sessões presenciais e online. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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  • Gostei muito do texto, me identifiquei demais. Como saber se consegui fechar a ferida? Ainda tenho recaídas.

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Fernanda do Valle

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