Cada sentimento que escrevo e com exatidão lhe demonstro serve para convencer-te que sinto aquilo que escrevo. Cada emoção que lhe descrevo serve para convencer-te que sinto quando te reconheces por também sentir.

As palavras que faço espelho para que enxergues a nós mesmos é estratégico. Engano-te, e muito bem. Quando alcances meu verbo terei eu antes morrido mil vezes.

Quando entendas minha batalha terei eu antes perdido outras mil. Dou-lhe o que resta do meu passado visto que o que lhe ofereço é aquilo que não é mais, mas que satisfaz porque são palavras: frágeis substitutas das verdades.

Trago-lhe texto pronto, aparado, com a devida assepsia das minhas loucuras e egoísmos. Trago-lhe produto refinado, com certa dignidade, distante da matéria-prima que de início me sufocou.

Apresento-lhe o sofrimento pelo filtro do intelecto: coisa outra, maquiada, pronta para festa e bençãos literárias. O que vês não enxergas: sou o dobro, sou o excesso, sou o absurdo. Ao me tornar palavra já sou homem domado, domesticado pela linguagem.

O transbordar é cenográfico, visto que ao iniciar parágrafo já terei sido antes inundação. Engano-te pois sou polida e comportada impressão das minhas confissões, mas não abuso do direito de ser outro.

Apenas declaro o que fui com a interferência do tempo que me faz outro, com a palidez das distâncias do que não mais se é. As mentiras são sinceras e os cenários são reais, mas vês somente a sombra dos meus protagonistas.

Verso sobre o inferno atenuando o calor, sobre as flores diminuindo os invernos. A linguagem é reino que com interesse manipulo e por capricho transformo, porque é na palavra onde me sinto na posse do que não sou.

Aqui, mudo comodamente os limites das minhas prisões, antecipo vitórias e liberdades, altero por conveniência definições e conceitos sobre mim.

Se lhe disse acima sobre meus egoísmos, poderia reescrever falando apenas das minhas virtudes.

Na palavra me condeno ou me inocento, embora não me isente de ser e viver o que sou. Por isto, enganei-te para enganar-me, pois convencer é poder ser convencido.

Mas já basta!

Quero desconstruir miragens, desmentir crenças, abandonar gaiolas. Quero assumir minhas existências e ser honesto nos meus despropósitos.

Quero sentir mais e pensar menos, descartando a ingênua ideia que cultivei de que tenho controle sobre alguma coisa. Escrevi por ter sido tanto tempo escravo.

Voltarei a escrever somente quando me tornar devoto.

Guilherme Antunes

Poeta, escritor e colunista do site Fãs da Psicanálise.

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Guilherme Antunes

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