Cotidiano

Assédio sexual não é elogio: é violência

Muitas moças já tomaram consciência de que aquele “Psiu, oi gata” enquanto caminham não é elogio e muito menos uma abordagem amigável. É um comportamento recorrente que vem causando cada vez mais estranhamento nas meninas e evidencia a insegurança que é andar pelas ruas de qualquer local, a qualquer hora do dia. Os relatos de indignação são muito recorrentes na internet e eles acabam gerando um sentimento de sororidade entre as moças que, infelizmente, passam pela mesma situação todos os dias: o assédio sexual.

“Ah, mas nem foi nada”

Relatar assédio sexual é difícil. Não importa qual a natureza dele, seja verbal ou físico, as moças terão dificuldade em identificar essa situação, problematizá-la e, principalmente, contar aos outros.

No caso do assédio verbal, de tão recorrente ele acaba passando despercebido na maioria dos casos. Enquanto algumas meninas reconhecem esse tipo de ação como violência, outras acreditam ser apenas algo inerente ao sexo masculino. Por isso, o Lado M conversou com a psicóloga Arielle Scarpati, doutoranda em psicologia forense, com foco em assuntos relacionados violência de gênero, para nos explicar um pouco mais como isso acontece..

E quando questionada sobre tal comportamento feminino ela afirma que “Era comum um tipo de pensamento do tipo ‘Se eu sair de casa, passar por uma obra e o cara não mexer comigo, eu volto pra casa e troco de roupa porque tem alguma coisa errada.’”

Leia mais: Mulher abusada , violentada e sofrida

Ela afirma também que esse tipo de comportamento tem raízes culturais e que a relutância que muitas pessoas (inclusive as mulheres) têm de ver essas provocações como violência – e intitular de “mimimi” a preocupação que temos em relação a isso -, faz parte e um processo de mudança. Ela afirma que essa reação negativa das pessoas em relação ao feminismo não dá pra ser medida, mas podemos tomá-la como parte do processo de desconstrução desse comportamento que infelizmente foi instituído na nossa cultura. A pesquisadora também ressalta que é importantíssimo conscientizarmos meninas e meninos a respeito disso: as futuras mulheres precisam saber o que é e de onde vem a violência, e os homens precisam não praticá-la.

Reagir ou não reagir, eis a questão

Para pensar na reação que as mulheres têm após serem assediadas, precisamos, antes, saber se a moça considera aquela ação como violência ou não.

Algumas moças têm plena consciência de que sofreram com aquela situação ruim. Porém, em muitos casos, não há a consciência de que aquele assédio foi uma forma de violência. Quando a moça enxerga a situação como algo normal e corriqueiro, ela não vê razão para reagir. Entretanto, se ela enxergar o ato como violento, ela poderá ter dificuldade de “digerir” a informação, como se estivesse se protegendo de algo que ela ainda não compreende, como nos explica Arielle: “Se acontece alguma coisa com você que não se encaixa naquilo que você inicialmente pensou que era violência, quando o agressor não se encaixa na figura do ‘monstro’ que você achou que era o agressor comum. Tudo aquilo que você tinha organizado pra deixar sua vida mais simples em termos de estrutura mental precisa ser revista. Às vezes, até o próprio comportamento, mas isso acontece porque admitir a violência pode ser muito doloroso para todo tipo de abuso.”

O risco é real

É muito importante que as moças saibam identificar as situações abusivas em qualquer que seja a circunstância. Ao avaliar se reagir é seguro ou não, sempre haverá um risco.

Ao ser abordada na rua e retrucar o agressor, muitas vezes pode não resultar em nada além de deixar um homem sem graça. Mas não é possível afirmar que isso acontecerá cem por cento das vezes, já que a falta de segurança para as mulheres na rua é real, o desconforto e a indignação também.

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“Eu sempre reajo, e a minha mãe fica desesperada. Ela sempre fala que uma hora eu não vou voltar mais pra casa. Mas eu sempre digo a ela que reagir é mais forte do que eu, quando eu percebo eu já reagi. Por exemplo, já teve situação de eu estar voltando pra casa e um cara jogou o carro pra cima de mim e uma amiga. Saiu do carro bêbado e veio pra me agarrar. No que ele veio pra me agarrar eu sentei o tapa, mas nem pensei na hora, só sentei o tapa. Virou uma confusão danada, mas no final ele foi embora. Aí eu contei pra minha mãe e ela disse ‘e se esse cara tá armado ou resolve não ir embora?’”.

Mas é preciso ter muito cuidado, pois, ao mesmo tempo que precisamos nos empoderar e saber que não há nada em nosso comportamento que justifique o assédio verbal, precisamos reconhecer que há um risco em reagir.

Macho que é macho

“Desde os 12 anos, eu já ouvia barbaridades andando na rua. Teve uma vez que eu cheguei a ser agarrada no meio da rua por um cara que se achava o tal. Muita gente viu mas ninguém fez nada. Os homens passavam por mim e falavam cada besteira que dava vontade de dar um tiro no meio da cabeça deles.” Márcia, 43

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“Uma vez, quando eu tinha uns 17 anos, mais ou menos, eu tava andando com as minhas amigas. Tava meio frio, eu tava de jaqueta de moletom, calça jeans e tudo mais. Aí um cara passou num carro, e veio vindo gritando com a mão esticada e eu dei um pulo pra trás porque ele ia passar a mão tanto em mim quanto nas minhas amigas”. Bianca, 20 anos

Os dois relatos aconteceram em momentos diferentes e locais diferentes, mas em ambos há uma semelhança: o comportamento masculino que quer oprimir as mulheres apenas por serem mulheres.Os homens moldam seu comportamento de acordo com uma “lista” de tudo que designa sua masculinidade.

No Brasil, ser homem é se afastar o máximo possível do universo feminino e agir feito “macho”, ou seja, contrário à sensibilidade e à emotividade. A cultura designa um papel agressivo e sexualizado ao homem que ele reafirma agindo dessa forma.

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Esse tipo de pensamento necessita ser desconstruído urgentemente, pois coloca em risco a segurança de milhares de moças todos os dias. Isso é um fato, mas não é um argumento capaz de justificar nenhuma forma de abuso.

É uma construção social que precisa ser desfeita. E para isso, Arielle ressalta novamente o papel importantíssimo que tem o feminismo em ajudar as mulheres a reconhecer situações de agressão que se repetem, e mostrar a elas que elas têm voz e não precisam se subjugar a esse tipo de coisa. Mas também ressalta que os autores das agressões, os homens, precisam ser educados.

*Texto publicado originalmente por Catarina Ferreira no siteladom.com.br e reeditado com autorização do administrador

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