Na manhã de ontem, 13 de março de 2019, um homem de 25 anos e um adolescente de 17 anos, armados e encapuzados, invadiram a Escola Estadual Prof. Raul Brasil, na cidade de Suzano, em São Paulo. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado, foram registradas 10 mortes – incluindo os dois atiradores – e 11 feridos, alguns encaminhados ao Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da USP.
O governador João Doria decretou luto de três dias no Estado, e policiais, bombeiros e profissionais da educação e da saúde trabalham no local. Ontem, uma equipe de oito professores, mestrandos e doutorandos do Instituto de Psicologia (IP) da USP foi até à escola em Suzano para trabalhar em conjunto com esses profissionais.
O grupo prestou atendimento emergencial, acompanhou o velório e deve permanecer no local mais alguns dias para ajudar no retorno às aulas. O Jornal da USP no Ar, veiculado diariamente na Rádio USP, repercutiu o massacre ocorrido na escola em Suzano com professores e doutorandos da Universidade de São Paulo.
A diretora do Instituto de Psicologia (IP) da USP, Marilene Proença Rebello de Souza, falou do atendimento que será dado pelo instituto aos funcionários, alunos e familiares da Escola Estadual Prof. Raul Brasil, e explica que a área de Emergência e Desastres, embora seja uma vertente nova na Psicologia, vem formulando práticas de acolhimento para esse tipo de situação.
Uma outra área, a de Prevenção à Violência, procura entender os aspectos sociais e também tem elaborado técnicas para atendimento e criação de espaços de relacionamento nas escolas. “A nossa sociedade está se desumanizando. É preciso trabalhar no sentido dessa humanização”, diz Marilene.
Segundo a professora, pesquisas recentes têm mostrado o ambiente escolar como um espaço de relações muito plurais. Os espaços de convivência, bem como as condições estruturais e de trabalho da escola, são alguns dos aspectos que devem ser observados e melhorados, esclareceu Marilene em entrevista à jornalista Roxane Ré durante o Jornal da USP no Ar.
Embora no Brasil os casos tenham aumentado, ainda não é considerado um fato comum
Renato Janine Ribeiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ex-ministro da Educação e colunista da Rádio USP, comenta que, nos Estados Unidos, não é raro o acontecimento dessas tragédias. Embora no Brasil os casos tenham aumentado, ainda não é considerado um fato comum.
Janine cita que o porte legal de armas que vigora nos EUA pode ser uma das razões para ocorrer esse tipo de episódio. Como outra causa para esse cenário, ele cita o isolamento em que algumas pessoas vivem nessa nova era: “Alguns jovens vivem muito sozinhos e, para muitos, a solução da violência é a própria violência”. E confessa não saber ao certo a solução: “Não sei se é controlar mais a internet, prestar mais atenção às pessoas…”.
Caso em Suzano tem semelhanças ao da escola em Realengo
Já Alexei Dodsworth, doutorando em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e Universidade de Veneza, diz que o ocorrido em Suzano aparentemente tem várias semelhanças com o massacre provocado por Wellington Menezes de Oliveira em uma escola municipal de Realengo (RJ), em 2011.
De acordo com o pesquisador, há indícios de que os atiradores de Suzano frequentavam fóruns on-line de incentivo à violência, assim como Oliveira. Segundo Dodsworth, “essas comunidades de propagação de ódio existem desde o surgimento do Orkut, funcionando como uma rede de apoio mútuo entre seus membros e, assim como antes, mesmo com a realização de denúncias, nenhuma delas surte efeito”.
Para ele, o problema é que ética e lei não sabem acompanhar a mudança tecnológica. O pesquisador ainda destaca que somente o ato de proclamar a intenção de cometer um assassinato já é digno de atenção e que, apesar de essas pessoas geralmente usarem perfis falsos na internet, não é impossível localizá-las se houver um trabalho de inteligência por parte da polícia.
Ainda é cedo para uma análise sociológica desse tipo de caso
O professor Sérgio Adorno, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), ambos da USP, afirma que ainda é cedo para uma análise sociológica desse tipo de caso no Brasil. Na visão de Adorno, os cinco casos de atiradores que aconteceram desde 1999 são muito particulares e o número é insuficiente para conectá-los a um padrão.
“O que nós estamos percebendo é que vivemos um momento muito singular na sociedade brasileira”, disse o professor ao Jornal da USP no Ar. “Embora não seja possível ainda dizer quais as motivações do crime em Suzano, as pesquisas têm mostrado que há um desgaste nos vínculos sociais e que uma parcela dos jovens tem dificuldade de lidar com a frustração”, relata Adorno.
Internet, um local de enaltecimento do ódio
O caso gerou insatisfação em muitas pessoas por ser mais uma situação que apresenta a internet como um local de enaltecimento do ódio, sem a possibilidade de veto das autoridades.
Juliano Maranhão, do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP, mostra uma nova perspectiva ao esclarecer que a inteligência artificial não está suficientemente desenvolvida a ponto de conseguir processar e checar toda a informação produzida e veiculada na rede, tornando esse processo muito difícil para as autoridades.
Segundo Maranhão, é ainda mais complicada a checagem dos dados se ela envolver meios privados da Internet, já que as empresas alegam não ter acesso a eles por possuírem sede internacional ou por causa do sistema de criptografia. O entrevistado disse que o Supremo Tribunal Federal (STF) está em processo de julgamento do tema e que alguns parâmetros mais claros poderão ser estabelecidos a partir da decisão final.
(Fonte: jornal.usp.br)
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