Quero colocar nesse texto algumas considerações de acordo com a psicologia analítica e os arquétipos e mitos que permeiam nossa sociedade ocidental, apontando os conflitos que a mulher moderna sofre ao assumir o papel de mãe.
Não pretendo com isso fechar a questão nem apresentar uma verdade absoluta, uma vez que o tema é espinhoso. Mas gostaria de incitar a reflexão sobre o papel da maternidade.
Carl Jung aponta que a mulher moderna ocidental tem grande dificuldade em se conhecer enquanto mulher, pois não temos uma representante no “parlamento de cima”.
Nossa sociedade ocidental é permeada na consciência coletiva pelo mito Cristão, que presume a Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo; sendo que o feminino foi, por muitos séculos, excluído da mitologia Cristã.
No entanto, após as aparições da Virgem, que se iniciaram em 1531 na Cidade do México, as coisas começaram a mudar. As aparições em Fátima, Portugal, em 13 de Maio de 1917, para três crianças, foram de tamanha proporção que o Vaticano não pode mais ignorar a figura mítica de Maria. E depois de muito tempo houve a Assunção de Maria.
Do lado positivo, temos uma figura feminina com uma representação, mesmo que parcial, na mitológica cristã. No entanto, Maria é uma imagem unilateral do feminino. Uma imagem que agrada o Patriarcado.
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O fato é que, em nossa tradição estritamente patriarcal judaico-cristã, não temos uma imagem do feminino que abranja a totalidade e a exuberância desse arquétipo, diferentemente das Mitologias antigas.
Isso resulta por um lado na negligência da anima no homem e na incerteza na mulher em relação a sua própria essência. A mulher fica sem saber quem ela é.
Conforme Von Franz (2010), a encarnação de Deus em Cristo foi uma experiência religiosa coletiva de enorme alcance. Já no caso da antiga deusa-mãe, a tendência de encarnar numa filha humana ainda não se realizou. Na verdade, o aspecto-sombra da Grande Mãe antiga ainda não fez sua reaparição em nossa civilização, pois a imagem de Maria apresenta restrições e está purificada de sua sombra.
E como isso impacta na maternidade?
Tudo isso implica numa falta de contato com o instinto materno, que funciona de forma artificial, pois a mulher se torna insegura em relação à maternidade.
Nos contos de fadas e na Mitologia, o feminino sempre esteve associado à natureza, pois a mulher, devido aos ciclos menstruais e a maternidade, tem um contato maior com o corpo.
E a natureza também é dura, severa e cruelmente vingativa. Ir contra a natureza tanto literal quanto psicológica de uma pessoa causa sérios danos. A natureza sempre vem cobrar sua conta. Trata-se de outra espécie de justiça, diferente da masculina-patriarcal, que é pautada em leis que não devem ser desobedecidas. Ela tem um tom amoral, assim como o inconsciente.
Conforme Von Franz (2010), a raposa morde os filhotes que atingiram certa idade e não a querem deixar. Ela age assim da maneira certa, promovendo o crescimento e a independência do filhote.
A mulher, com o instinto materno e o contato com sua natureza intactos, afasta instintivamente os filhos que se agarram demais a ela. Como uma mãe animal, ela o manda passear. O problema é que atualmente essas mães são uma rara exceção.
As leis masculinas e a imagem materna unilateral – vista em Maria – abnegada, bondosa e que perdoa os pecados fazem com que a mulher sinta culpa ao deixar seus instintos fluírem.
As mães atuais têm um senso de dever muito rígido e uma busca incessante por ser a mãe perfeita.
A mãe com um instinto em bom funcionamento sabe a hora de desfraldar, por exemplo, e não precisa de manuais e de “dicas” externas para isso. Ela “sente”, fareja, como uma loba, o momento certo. O problema é que a sociedade cobra a eficiência das mães, como se fossem máquinas ambulantes, e dita regras de comportamento. Isso afeta inclusive outras mulheres tomadas por um animus negativo, ficando cheias de regras e “achismos”.
O que falta então em nossa sociedade é o aspecto-sombra do princípio feminino, a natureza negligenciada, que reflete negativamente em nossa sociedade.
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