Todos os dias uma criança chora e esperneia em uma rua qualquer pelas grandes cidades e todos os dias as levamos para casa e as colocamos de castigo sem explicarmos o motivo. Costumamos dizer nãos às nossas crianças sem explicações. E toda criança gosta de porquês, mas nunca os respondemos.

As crianças crescem como árvores, sendo podadas o tempo inteiro para não perturbarem os adultos. As suas indagações não têm importância assim como as suas vontades. Com isso, vamos colocando-as em uma caverna onde seus pequenos mundos se resumirão aos medos, tristeza e solidão.

Essas cavernas são temorosas e podem prejudicar o ensino-aprendizagem das crianças, pois elas têm o pensamento cognitivo comprometido pelos traumas da escuridão da caverna, ou seja, sem enxergarem o sol estão cegas de ignorâncias e não sabem caminhar sozinhas.

A cognição se dá quando nos relacionamos bem com as pessoas e a natureza ao nosso redor, quando compreendemos o que nos é ensinado de forma a criarmos a partir do novo, do que ainda vai existir, da nossa criatividade. As crianças precisam aprender as coisas para mais tarde as processarem e as transformarem em saberes para uma vida adulta contemplativa.

As cavernas onde aprisionamos as crianças são frias e machucam os seus corpinhos frágeis além de causarem diversas emoções negativas que contribuem para um crescimento baseado em traumas e medos, medo de lutar pelos seus ideais ou de se tornar um bravo soldado ou enfermeira. Somos nós, os adultos, pais e responsáveis pelas crianças que dizemos amá-las, aqueles que criam cavernas todos os dias dentro das suas almas em formação.

Achamos pouco colocá-las dentro de cavernas e as acorrentamos simbolicamente para que não saiam de perto dos nossos olhos. Sempre que acordamos as crianças dos seus mundos imaginários onde tudo é possível e dizemos que nada daquilo existe, que é tudo

de mentirinha, que é um faz de conta que alguém inventou as colocamos dentro de uma caverna.

Ser criança não é nada fácil. As incompreensões dos adultos, a falta de amor, a falta de cuidado com as suas emoções, o desrespeito às suas vontades, tudo isso cria uma caverna gigantesca dentro da criança. Ela não sabe como se defender, o que dizer ao adulto, como reagir e acaba chorando a sua dor mal sentida por aqueles que deveriam curá-la.

As cavernas são lugares onde as crianças guardam os seus mais íntimos segredos, porque elas sabem que as sombras que passam nas paredes as escutam e respeitam de alguma forma. Quem seriam essas sombras? Qualquer adulto que se sente diferente e distante do cruel mundo que se apresenta para ele todos os dias e se aprisiona dentro de uma caverna. Um estranho? Nem sempre, às vezes alguém que convive com a criança de perto e consegue entender o seu jeito de pensar e ver a vida, mas não pode dar opinião na sua educação.

Todos os dias criamos cavernas nas crianças com a nossa impaciência e rapidez para fazermos as coisas, com a nossa falta de tempo para consertar o brinquedo quebrado, a boneca que não fala mais, o trem que já não apita ou até mesmo contar uma história para a criança.

Essas crianças nem precisam ser empurradas para as cavernas, elas já sabem o caminho. Entram nelas em busca de uma sombra que alivie as suas dores e as conforte. Buscam naquelas sombras a sabedoria que falta nos pais, o carinho de um abraço apertado ou a esperança de que serão ouvidas. As sombras são pessoas em quem as crianças confiam e contam-lhes sobre as suas ansiedades e desejos, mostrando-lhes as suas emoções e abrindo-lhes os seus corações.

Uma criança acorrentada simbolicamente em uma caverna constrói seus próprios heróis, aceita a ajuda de estranhos, aventura-se em jogos eletrônicos e cresce assustada com a sociedade. Não sabe se o que estão lhe oferecendo é bom ou ruim, se deve ou não correr o risco de uma aventura. As cavernas, senhores pais, são a representação figurativa de um quarto fechado, de muros, de portões, de condomínios cheios de câmeras e de lugares onde as crianças não podem correr e brincar como gostariam.

Nós construímos cavernas quando deixamos nossas crianças abandonadas o dia todo diante de um celular ou computador, cavernas essas que engolem as crianças e nunca mais as devolvem para nós do jeito que deveriam ser, ou seja, alegres e divertidas como qualquer outra criança da sua idade.

Construímos cavernas para as crianças com receio de que elas arranhem os joelhos ou se machuquem brincando no parquinho quando dizemos não para elas sem motivo aparente.

Para a criança esse mundo escuro e frio é assustador, mas aos poucos ela vai se acostumando com ele até acostumar-se a não sair de frente do dispositivo eletrônico para ver a luz do sol, os lagos e as florestas. Evitemos criar cavernas nas crianças.

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Rosângela Trajano é licenciada e bacharel em Filosofia com mestrado em literatura, escritora, ilustradora e professora de filosofia para crianças. O que mais gosta de fazer é poetizar para crianças. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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