Nos consideramos comunicativos, escrevemos, falamos e somos até capazes de manter diversas conversas em paralelo, mas, apesar das aparências, parecemos ter esquecido como nos comunicar — no sentido mais amplo da palavra.
Tome algumas culturas primitivas como exemplo. Sustentava-se um tipo de comunicação horizontal em que todos compartilhavam um mesmo contexto.
Não havia pressão ou urgência para terminar uma discussão, fazendo com que o diálogo se tornasse algo contínuo, parte de uma identidade individual e coletiva que despertava o interesse e atenção das pessoas.
Havia pausas, intervalos para pensar e silêncio para que as palavras pudessem encontrar seu espaço.
Hoje, nos limitamos a “falar” uns com os outros. Quando um termina, outro continua, numa incessante troca de informações.
Estabelece-se um padrão que muitas vezes mais parece uma competição. O resultado? Ninguém ouve de verdade, pois estão ocupados demais pensando na própria fala.
A individualidade e o ego querem se afirmar a cada contribuição, consumindo o espaço que deveria ser usado para semear novas verdades e, quem sabe, ver nascer um contexto comum.
Criou-se um tipo peculiar de conversa em que não há espaço para ouvir nem se expressar. Nos contentamos, na maioria das vezes, com uma sobreposição de opiniões, umas contra as outras, jorrando em palavras com a menor profundidade possível.
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Deixamos de cultivar interações que permitam falar, mas também pensar enquanto se fala, traduzindo pensamentos em palavras, unindo texto, contexto e emoções.
Ao invés de ouvir com empatia e atenção, permanecemos condicionados a esperar por “nossa vez” de falar — ou rebater argumentos.
A forma mais bela de comunicação se baseia numa enorme capacidade de observação, ao contrário do que acontece atualmente.
Sempre tão cheios das próprias ideias e problemas, deixamos de perceber o mundo e as pessoas a nossa frente, como quem ignora a vida presente nos pequenos detalhes.
Talvez o caminho seja nos questionar: o que enxergamos? O que há para ver? Como abrir os olhos?
Num diálogo, a fala deve ser moldada, ou melhor, o que expressamos em palavras deve ser adaptado conforme o ouvinte.
Assim, quando você me ouve com real interesse, me sinto forçado a ser coerente e sincero, não por algum tipo de imposição ou obrigação, mas como reflexo natural da consciência de ser ouvido.
Se ninguém ouve, deixamos de nos expressar plenamente à medida que nos sentimos incompreendidos e, então, o conteúdo do que é dito perde sua importância.
O mesmo acontece quando estamos dispostos a ouvir mas o discurso é vazio, e a fala, pobre e superficial. Desenvolve-se uma inevitável impaciência para assuntos cotidianos, pois não se reconhece nada de genuíno ou substancial no que se ouve.
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Cria-se uma aversão por conversas de elevador, comentários sobre o clima, fofocas sobre celebridades e citações — ou repetições? — de frases alheias.
A qualidade do ouvinte, portanto, mais do que demanda, exige a qualidade do orador.
O desinteresse em falar se alterna com a impaciência em ouvir, dando origem a um ciclo vicioso que só faz degradar nossa comunicação.
Isolados, passamos a viver num universo introspectivo, ainda que transbordando ideias, pensamentos e emoções nesse vazio entre o Eu e o outro.
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Muito da nossa experiência é intangível, e muito do que percebemos é impossível de se expressar — simplesmente não se traduz em palavras.
Por isso a comunicação é algo tão especial, tão incrível. Quando nos comunicamos uns com os outros, quando criamos um tipo de conexão e nos sentimos compreendidos, é como se experimentássemos uma comunhão quase que espiritual.
Embora seja algo passageiro, é uma das únicas coisas capazes de preencher aquele vazio existencial.
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A arte do diálogo é também a arte do silêncio para a compreensão, do relativismo para a empatia, da coragem para a expressão. A arte do diálogo é feita por ideias e verdades que se deixam tocar sem qualquer medo de mudança.