Criança

Aparelhos tecnológicos e desenvolvimento infantil: herói ou vilão?

As tecnologias revolucionaram o modo de vida humano, elas estão ocupando um lugar de extremo destaque na vida e a tendência é que nos próximos anos, com o avanço das inteligências artificiais, a relação entre o ser humano e a tecnologia fique cada vez mais entrelaçada. Nessa situação apenas o tempo dirá quais serão as implicações e em que medida elas serão danosas ou agregarão mais qualidade de vida aos seres humanos. Que é revolucionário, não temos dúvida.

Entretanto, no que diz respeito às crianças e também aos adolescentes, o que se percebe é que as tecnologias podem dificultar o desenvolvimento da criança, quando em excesso. A tecnologia não é um problema, a questão é o que fazemos com ela. Nesse sentido, é preciso pensar qual a função de um celular, por exemplo, para uma criança de 5 a 10 anos de idade? Qual a necessidade de um tablet nessa idade? Até que ponto ela precisa ou pode fazer uso desse tipo de tecnologia? Como será limitado o uso? É algo fundamental ou está servindo apenas como uma “babá eletrônica”?

Deixar o filho no computador, celular ou tablet, muitas vezes, pode ser uma oportunidade para que a criança fique quieta, não dê trabalho. É preciso, em casos como esse, parar e refletir se o que está acontecendo não é algo como uma terceirização da educação, de um cuidado que deveria estar sendo construído a partir da solidez de uma relação afetiva e humana.

A falta de limite para com os aparelhos tecnológicos, muitas vezes, é um sintoma de uma causa maior: a dificuldade familiar em dizer não, ou então, em um polo oposto, a negligência familiar. Ambas demonstram, contudo, a falta do cuidado. Neste texto, me aterei, sobretudo a dificuldade de impor limites. A negligência familiar e seus danos ao desenvolvimento infantil é questão que merece outro texto.

Dizer não ou simplesmente impor certos limites pode ser sofrível para muitos pais. Alguns não querem repetir os “erros” da rigidez desempenhada pelos seus próprios pais, outros são realmente muito preocupados que a frustração possa desencadear um trauma psicológico nos filhos, outros ainda superprotegem por desconfiarem e temerem o mundo e seus perigos que realmente são reais. Todos esses antecedentes contribuem para que alguns cuidadores caiam no erro da superproteção ou falta de limite com os filhos.

Não raramente essa angústia dos pais indica de que eles próprios também precisam passar por um processo psicoterapêutico, para compreender a origem desse sintoma, para então poder modificar seu posicionamento perante os filhos.

Os pais precisam ter a ideia muito clara de que ao dizer não, ao colocar limite, ao frustrar a criança, eles estão preparando o terreno para que quando maiores, os filhos possam tolerar as frustrações da vida, seja na escola, na universidade, no trabalho ou mesmo nos relacionamentos interpessoais. O não faz crescer, mesmo que seja doído.

Leia Mais: Ansiedade infantil: por que precisamos ensinar as crianças a esperar

O cuidado familiar é aspecto fundamental para que a criança se sinta capaz para se desenvolver no mundo, para conhecer o mundo, ser criativa. A imposição de limites vai ao encontro da função do cuidado, pois mostra ao filho até que ponto ele pode ir nesse mundo desconhecido. O adulto tem a experiência de vida e conhecimento que a criança ainda não tem. Por mais inteligente e independente que a criança seja, ela necessita de orientação para que possa continuar seu desenvolvimento com saúde.

Por pior que seja a reação da criança ao ser imposto um limite, tenha certeza que inconscientemente este limite está fazendo sentido e a criança está se sentindo cuidada. Ela precisa do “não” para a constituição de uma personalidade saudável e estável.

A falta de limite quando associada à tecnologia pode impedir ainda mais que a criança aprenda a lidar com as frustrações. A tecnologia pode ajudar na criação de um mundo virtual em que não haja frustração, em que tudo seja perfeito, um mundo construído pela e para a criança, no qual ela possa simplesmente excluir o que não gosta. Isso pode ser muito danoso, pois se cria a ilusão de que é possível viver em uma bolha, algo parecido com a bolha de superproteção que algumas famílias constroem na tentativa de evitar sofrimento.

As tecnologias quando bem utilizadas são ferramentas incríveis, mas nunca poderão substituir o calor humano para a constituição saudável de outro ser humano. Em situações limites, o problema é a fragilidade da personalidade que se constituirá a partir de relacionamentos frios, vazios, construídos sem afeto, sem humanidade, podendo comprometer tanto o desenvolvimento emocional quanto o cognitivo e até mesmo o físico de toda uma geração.

João Paulo Zerbinati

Psicólogo clínico de orientação psicanalítica, atendendo em Itápolis-SP e Ribeirão Preto-SP. Graduado pela PUC (2014). Mestre pela UNESP (2017). Pesquisador membro do grupo de pesquisa SexualidadeVida USP\CNPq. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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João Paulo Zerbinati

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