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Anorexia Nervosa; uma doença cultural?

A anorexia nervosa em adolescentes vem crescendo de maneira assustadora e, talvez, seja essa uma das manifestações que fazem ver mais claramente os reflexos da cultura na sanidade emocional das pessoas.

Há tempos, a atividade de “modelo-manequim” tem habitado os sonhos de meninas e mães, não necessariamente nessa ordem. Há tempos, também, estilistas determinam tiranicamente as medidas antropológicas femininas, de acordo com escalas duvidosas de valores sensuais, sob o risco de condenarem as mulheres de compleição normal a se sentirem deficientes e deformadas.

E, das passarelas, esse falso ideal de beleza ganhou a mídia, o cinema, a televisão, as ruas, lares, escolas e a sociedade em geral. Mas, apesar de tudo, qualquer mulher de bom senso deve ter sempre em mente que esse ideal corporal não nasceu de uma opinião máscula, claramente definida. Ela veio das passarelas ….

Arremedando pessoas esquálidas, mal nutridas e esqueléticas, a mulher moderna tem se feito e se produzido para outras mulheres, muitas delas igualmente desejosas dessa anomalia existencial.

A mulher moderna vem perdendo, assim, juntamente com a feminilidade de suas roupas (antes, sexualmente bem definidas), de seu comportamento dócil e meigo (substituído pelas artes marciais), também suas curvas – a milenar marca registrada do interesse masculino.

Em arroubo maior de insatisfação consigo mesmas, algumas mulheres arriscam comentar, com disfarçada pilhéria, que gostariam de pegar essa “tal anorexia“. Quem sabe, dessa forma, seriam objeto de inveja e admiração por parte de outras mulheres, ainda que às custas de perderem os cabelos, os dentes, a saúde, a lucidez e a vida.

Tenho várias pacientes anoréticas na faixa dos 12 aos 14 anos. A desnutrição causada pela escravidão a que se submetem, sempre com o propósito de se enquadrarem no ideal de beleza das passarelas, causa todo tipo de dano orgânico e emocional.

Uma vez instalada, inicialmente a anorexia rouba a crítica em relação ao próprio corpo. A pessoa vê-se gorda quando de fato não é; essa concepção distorcida do próprio corpo é de natureza delirante.

Nas adolescentes a anorexia causa interrupção do crescimento e da maturidade sexual, baixo rendimento intelectual, vulnerabilidade à infecções, queda de cabelo, quebra das unhas, amolecimento dos dentes, enfim, todo o quadro associado à desnutrição. Um final fatal pode acontecer se o transtorno não for corrigido a tempo.

A primeira coisa que a família tem de pensar é que a anorexia não é uma frescura que só dá nos filhos dos outros.

Existem duas grandes dificuldades no tratamento da anorexia: a demora em procurar o atendimento médico e a falta de aceitação de tratamento. Na realidade, a primeira reflete a recusa da família em aceitar a doença e a segunda a recusa do paciente.

A recusa da família deve-se, principalmente à influência de parentes, leigos que acham a anorexia um simples capricho, uma teimosia ou algo que vai passar…

Ainda tem casos onde os pais optam por alguma coisa “mais natural“, algo “que não faça mal” ou a famosa frase “onde já se viu a Bia ter que tomar esses calmantes…” Enfim… a ignorância também pode matar. A anorexia nervosa é uma doença que precisa de tratamento médico. E mesmo com tratamento adequado costuma ser um quadro bastante difícil.

Enquanto a família busca atitudes alternativas, algo em moda, benzimentos, aconselhamentos, segue palpites de avós e tios… enquanto marcam-se viagens ou se dá presentes na tentativa de substituir o tratamento médico, a doença progride e vai ficando cada vez mais difícil de tratar.

Algo realmente estranho acontece em nossa cultura: jovens não vêem chegar a hora de colocar aparelho nos dentes, acham bonitinho ter anorexia, preferem calças rasgadas, numa clara demonstração de descaso para com qualquer anseio de normalidade. Alguns ficam horas diante do espelho para parecerem o mais desleixado possível.

Tem também a questão da vergonha da presença dos pais na porta da escola (não consigo interpretar). Enquanto uns têm grande complexo por serem filhos adotivos, outros têm vergonha dos pais biológicos (????)

Eles preferem uma mochila bem velha e puada, desde que tenha grife, mutilam-se com pircings por todos os lados (preferindo a dor a ficar fora do modelo), desenham em seus corpos figuras grotescas, preferem ídolos drogados … Seria a volta aos primórdios do ser humano, com pinturas e artefatos espalhados e espetados pelo corpo?

As mães se esforçam muito para entender os jovens e chegam a sentir uma ponta de orgulho, uma sensação de falsa jovialidade quando se adaptam (ou se submetem) passivamente à tudo isso …

Até a anorexia pode parecer-lhes uma coisa natural da idade, uma chance de um dia ter uma filha manequim …. De qualquer forma há uma perda da identidade, uma impossibilidade de ser de forma autentica e pessoal, já que todos têm que ser exatamente como todos são.

Tenho visto muitas dessas mães estimulando suas filhas a se submeterem a regimes e dietas completamente bizarras, do tipo uma maçã ou uma saladinha por dia. Em muitos casos as mães estimulam nas filhas ideais pessoais, frustrações antigas e mal resolvidas, quando não reflete uma espécie de competição com a filha.

Existem familiares que depreciam ostensivamente as gordurinhas de suas filhas, naturais e fisiológicas da idade, como se a pretendida humilhação, disfarçada de brincadeira e comentário inocente, pudesse corrigir esse absurdo estético.

Muitas vezes a criança ou adolescente, vítima dessa vigilância ponderal familiar, acaba comendo ainda mais por ansiedade ou, infelizmente, desenvolvendo a anorexia.

A mídia, sem dúvida, é responsável por boa parte da tirania que o ideal do corpo esquelético exerce nas pessoas. Para constatar essa influência massacrante, basta verificar o grande número de revistas e periódicos, sites e programas de televisão dedicados ao culto do corpo e dos cuidados corporais. Publicações do tipo Saúde Total, Forma Ideal, Dieta Plena, etc (nomes fictícios sugestivos) multiplicam-se a cada dia.

As pessoas passam a valer o inverso de seus pesos. Não se lê com a mesma proporção com que se malha. O prazer da comida, do sorvete, do brigadeiro se contrapõe à culpa das calorias… Depois de um jantar delicioso, experimenta-se tremenda ressaca moral.

Com tudo isso, outros valores fundamentais para o desenvolvimento da personalidade humana podem estar sendo esquecidos. O ser humano moderno corre o risco de ter sua existência estreitamente limitada aos limites de seu próprio corpo. Não se transcende mais a corporeidade através da reflexão, abstração e outras atividades meditativas …

O relacionamento entre os sexos está seriamente ameaçado pelos novos padrões de beleza que as mulheres estabeleceram para elas mesmas. A persistente recusa da mulher moderna em ser feminina, submetendo-se à amputação dietética de suas curvas mais estrogênicas, sempre atribuído à afirmação demagógica de que se sentem melhor assim, desestimula substancialmente o interesse masculino.

Há homens que começam a pesar em ser leais às prostitutas, que ainda se mantém fieis às aspirações masculinas… E as mulheres absolutamente normais pagam pela obsessão da magreza; elas acabam se achando falsamente gordas, pois as lojas só dispõe de roupinhas para barbies.

A perigosa luta contra a balança
Abaixo, transcrição de parte de um texto interessantíssimo publicado no site Vida e Saúde, ressaltando os perigos da obsessão pelo corpo perfeito a qualquer custo:

A anorexia e a bulimia estão entre as principais causas de morte de mulheres jovens em todo o mundo, e a maioria das vítimas são adolescentes em período de formação física e psicológica que colocam em risco suas vidas pelo temor obsessivo de engordar.

Exemplos famosos de anorexia em jovens não faltam: recentemente ganhou destaque na imprensa aconteceu na China, onde uma estudante de 15 anos que media 1,65 m e pesava 54 kg começou uma dieta que acabou levando à sua morte, pesando menos de 30 kg.

A doença não escolhe classe social e chegou a círculos privilegiados, como no caso da filha do presidente francês Jacques Chirac e da princesa Victoria, da Suécia. Entre as vítimas mais velhas, é preciso lembrar a modelo Kate Moss, que já foi hospitalizada por anorexia, e a princesa Diana, bulímica assumida.

Mas, além de chegar à moda e ao poder, círculos em que a absessão com a aparência é constante, a anorexia e a bulimia têm tirado o sono de milhares de famílias anônimas em todo o mundo, que vêem suas filhas sempre às voltas com dietas e programas de beleza, e nem sempre sabem reconhecer o limite entre a preocupação com a beleza e a distorção da auto-imagem. Por isso, em geral, as famílias só detectam o problema quando a situação já é de emergência, o que traz maiores os riscos de que a doença seja fatal.”

Transtornos Alimentares e Depressão
O Dr. Erick Messias tem um excelente artigo publicado na revista eletrônica
Psychiatry On-Line Brasil, onde aborda as relações entre transtornos alimentares e transtornos do humor, mais precisamente, transtornos depressivos. Diz o Dr. Erick que, a par das fofocas da mídia sobre qual dos famosos tem anorexia ou bulimia, o problema é bastante real e, infelizmente, com um potencial letal considerável. Refere a existência de uma epidemia silenciosa nos campi universitários americanos, a qual tem recebido bastante atenção de pesquisadores.

A ocorrência simultânea de transtornos depressivos e alimentares desperta algumas dúvidas, como por exemplo, se eles teriam uma mesma origem psicopatológica, se os transtornos depressivos são os causadores dos transtornos alimentares ou vice-versa, se são fenômenos completamente independentes, enfim, dúvidas sobre a natureza das relações entre esses dois transtornos habitualmente simultâneos.

Segundo Erick Messias, pacientes comAnorexia Nervosa tem uma prevalência entre 52-98% de transtornos do humor no decorrer da vida. No momento da consulta, 50% deles apresenta algum transtorno do humor. Quanto a bulimia, os números são semelhantes, 25-80% de risco de depressão na vida e 40% de depressão na apresentação por ocasião da consulta. Ambos os transtornos se iniciam geralmente na adolescência, assim como os do humor.

Neurobiologicamente há muita especulação em torno dos neurotransmissores envolvidos nos transtornos do humor e também relacionados aos transtornos da alimentação, tais como a serotonina, norepidefrina, opióides endógenos e melatonina. O aspecto genético também já foi levantado como hipótese e os estudos tem sido contraditórios. Um achado mostra maiores índices de transtornos do humor em parentes de primeiro grau de pacientes com transtornos da alimentação.

Quanto ao tratamento com antidepressivos, estes têm sido utilizados tanto em pacientes com anorexia quanto com bulimia, e os resultados são bastante irregulares. Alguns estudos mostram boa resposta desses transtornos alimentares aos antidepressivos, enquanto outras pesquisas não encontraram resultados significativos. Entre os antidepressivos, segundo Erick Messias, a Dra. Brown, coordenadora da equipe de transtornos da alimentação da Universidade de Georgetown, tem preferido a fluoxetina, mas notou que as doses utilizadas muitas vezes são bem maiores que aquelas propostas para pacientes com depressão, segundo sua prática clínica.

As conclusões se existem, são de que os transtornos do humor e da alimentação se apresentam com freqüência em um mesmo paciente e, diferenciar um transtorno do outro exige muita atenção e cuidado. A presença dessa concomitância de transtornos provavelmente altera o prognóstico do quadro para pior, e o tratamento com antidepressivos deve ser considerado. É preciso lembrar que esses transtornos carregam consigo os maiores índices de letalidade em psiquiatria e que afetam pacientes jovens.

(Fonte: psiqweb.med.br)

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