Os anos 1980 assistiram a renovação do pensamento brasileiro em matéria de saúde mental. Não vimos apenas a desativação dos grandes conglomerados surgidos com a modernização dos anos 1920, como Juqueri (SP), Juliano Moreira (RJ) e Barbacena (MG), mas também o fechamento das clínicas particulares onde os maus-tratos e tortura eram regra, como a Clínica Anchieta e a Doutor Eiras (de onde vem nosso atual secretário para Saúde Mental do Ministério da Saúde).
Foi nessa época que começamos a estudar práticas alternativas e modelos substitutivos ao manicômio, entre eles o Acompanhamento Terapêutico (AT).
O AT encontra sua cena clínica na rua, circulando pelos lugares públicos e acompanhando as demandas do paciente “em tempo real”. No começo eram especialmente indicados para os pacientes internados há muito tempo ou afastados do convívio com os outros e que precisavam de uma mediação, ao mesmo tempo prática e “simbólica”, para realizar operações da vida cotidiana. Depois veio o tempo em que muitos ATs eram requeridos para atender pacientes em processo de redução de dependência de drogas.
Já nos anos 2000 veio o trabalho com idosos e pacientes com sequelas neurológicas. Em menos de 30 anos o acompanhamento terapêutico cobriu uma lacuna que em outros países é encampada pelo trabalhador social (social worker), pelo assistente social e pelo terapeuta ocupacional.
Em países onde o sistema de cobertura social é mais extenso e eficaz, o AT toma parte no sistema administrativo, penitenciário ou da saúde, com formação ligada fortemente ao campo da educação e reabilitação. No Brasil os ATs emergiram principalmente a partir da psicologia, compondo sua prática com fortes doses de escuta e leitura clínica.
Posso dizer que minha própria experiência como AT foi decisiva para que entrasse em contato com a realidade do sofrimento psíquico e as vicissitudes práticas do cuidado com o outro, parte essencial da formação de qualquer psicanalista.
Hoje há um novo desafio para os ATs e um novo problema para a saúde mental. A experiência da inclusão nas escolas brasileiras extinguiu o sucedâneo manicomial da educação, que eram as classes especiais. Com isso, professores e alunos devem se adaptar à presença de sujeitos com necessidades especiais em sala de aula. A presença de pessoas com síndromes e sintomas dos mais variados tipos e etiologias é um potencial ganho para os outros alunos em termos de aprendizado social.
Mas isso não se dá sem custo, objetivo e subjetivo. O ritmo de assimilação, as particularidades sensoriais e o estilo cognitivo precisam ser respeitados, por isso vem crescendo a participação de ATs. nas escolas. Eles representam também um “serviço substitutivo” à medicalização da aprendizagem e ao doping generalizado que se espalhou entre os usuários inconsequentes de Ritalina e pó de Guaraná.
Se hoje as escolas já adotam a terrível prática do “sem medicação não entra”, será que isso evoluirá para o “sem AT não entra”? Aqui a discussão promete ser longa, a começar por quem deve pagar pelos ATs.? O Estado que propôs a lei; as escolas, públicas e privadas, que devem aplicá-la; ou os pais, que querem ver seus filhos mais bem municiados nessa situação de desvantagem? Se a presença dos ATs parece uma exigência incontornável para que a inclusão funcione, que tipo de diagnóstico a justifica? Nesse caso, esta seria uma decisão pedagógica ou clínica? Perguntas em aberto para uma política de saúde mental que ainda está por ser formulada.
(Autor: Christian Dunker)
(Fonte: www2.uol.com.br)
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