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A SAUDADE FAZ MAL À SAÚDE?

A saudade é um sentimento de lembrança nostálgica de pessoas, animais, coisas ou situações distantes de nós ou extintas, associada ao desejo de tornar a vê-las ou possuí-las, misturando-se nele as sensações de distância, perda, falta e amor. Mas será que as saudades fazem mal?

A saudade não é um exclusivo da espécie humana (existe em outras espécies de mamíferos sociais, como os primatas e os cães).

A palavra deriva do termo latino para solidão (solitas, solitatis) e terá surgido na época dos descobrimentos portugueses (especialmente do Brasil), definindo a solidão dos portugueses numa terra estranha e longínqua, longe de casa e da família, a melancolia pela lembrança, a mágoa pelo afastamento e o desejo de regresso.

O galego também possui a palavra saudade e o seu sinónimo “morriña” (que em português pode significar “indisposição física pouco intensa”, “lassidão”, “indolência”, “chuva miudinha”, “uma fogueira que arde pouco”, “espécie de sarna ou de outra doença epidémica que ataca o gado” e até “mau cheiro exalado por pessoas ou animais”…)

O cabo-verdiano tem a palavra “sodade”, que tem o mesmo significado. Outras línguas têm palavras semelhantes, mas o seu significado não é exatamente o mesmo, sendo a saudade considerada a sétima palavra mais difícil de traduzir.

A saudade é muito característica dos portugueses, mas todos os povos a têm, mesmo que não possuam uma palavra específica para ela: “Ter saudades é viver”, escreveu Fernando Pessoa. No Brasil, comemora-se o “Dia da Saudade” em 30 de Janeiro.

De que podemos ter saudades?

Praticamente de tudo aquilo de que gostamos, nos faz bem ou nos dá prazer:
– de quem parte para estudar, trabalhar, viajar, guerrear, fugir de conflitos ou guerras;
– de quem fica quando partimos;
– de quem morreu (pessoas ou animais);
– de amigos ou familiares que não se vêm há muito tempo;
– de paixões ou amores;
– de casa;
– de comida;
– de música;
– de locais em que se viveu, trabalhou ou se passou férias;
– do tempo da escola;
– de empregos;
– de situações agradáveis;
– do tempo passado…

Diferentes níveis da saudade

Uma mesma situação (por exemplo, ir estudar ou trabalhar para outro país) pode ser vivida:
– como uma coisa boa e uma oportunidade para melhorar a vida, não chegando a provocar saudades de casa, da família e dos amigos que ficaram;
– como uma forma suave de saudade, vivida como uma lembrança saudável do que foi vivido, que mantém os laços afectivos com quem e com o que fica;
– como um sofrimento intenso, gerador de angústia e stress intensos, que gera desequilíbrios psicológicos e doença física e pode obrigar, se possível, ao regresso a casa ou extremar-se e conduzir a estados depressivos graves e mesmo à morte (saudade patológica).

NOTA: A mudança (mesmo que seja voluntária, mas sobretudo se for forçada) obriga a processos de adaptação e aculturação, que alteram o equilíbrio entre a pessoa e o meio e podem gerar desequilíbrios biológicos e psicológicos mais ou menos intensos, em alguns casos capazes de produzir doença.

NOTA: existem muitos outros processos (ansiedade, tristeza, luto, amor, stresse…) que ocorrem do mesmo modo que a saudade, apresentando-se com diferentes níveis de intensidade, duração e gravidade (formam um continuum entre o normal e o patológico).

O nível da saudade depende de fatores pessoais

– personalidade: maior nas pessoas com modelo de vinculação evitante, ansiosa ou ambivalente, nas mais dependentes, rígidas e com dificuldade de integração, nas obsessivo-compulsivas, introvertidas, pouco assertivas e com baixo grau de dominância;
– experiências anteriores de separação: maior nas pessoas que tiveram mais saudades em experiências anteriores de separação e nas que têm saudades de casa antecipatórias;
– idade: maior em crianças;
– género: semelhante em homens e mulheres, mas as mulheres lidam melhor com a saudade porque procuram mais apoio social e exprimem melhor os seus sentimentos a terceiros;
– cultura: maior nas sociedades mais fechadas, com menos hábitos de mobilidade relacional e geográfica, como o Japão (por oposição com os EUA).

O nível da saudade depende de fatores situacionais

– distância: maior se a distância for maior ou se houver uma maior percepção da distância (uma pessoa que nunca viajou pode sentir qualquer distância como grande);
– possibilidade de comunicação entre as pessoas separadas: maior se a possibilidade de comunicação for reduzida;
– imposição ou voluntariedade da separação: maior nas separações forçadas (morte, hospitalização, ida para colégios internos, serviço militar, exílio, fuga de conflitos…), menor nas ausências voluntárias (férias, missões humanitárias, estudar “fora de casa”…);
– possibilidade de benefícios com a mudança: maior se a mudança for para pior ou se houver a percepção de que é assim;
– grau de diferença entre a cultura de origem e a de destino: maior se houver stress de aculturação (necessidade de aprender uma língua diferente, se a pessoa for alvo de discriminação racial, de género, laboral, etc.).

Consequências da saudade para a saúde

A nível psicológico:
– ansiedade, nervosismo, angústia, flutuações do humor;
– sensação de frustração, desamparo, insegurança, solidão;
– tristeza, anedonia, choro fácil, apatia, falta de iniciativa, depressão, ideação suicida;
– insónia;
– falta de apetite;
– pensamentos obsessivos;
– dificuldade de aprendizagem, distração, perda de memória;
– isolamento social, absentismo escolar e laboral, abandono escolar;
– comportamentos aditivos: álcool, tabaco, drogas lícitas e ilícitas.

A nível físico (resultante da somatização do sofrimento psicológico e do efeito prolongado das “hormonas de stress” geradas pelos estímulos – adrenalina, noradrenalina, cortisol, hormona tiroideia, hormona de crescimento, hormona anti-diurética):
. fadiga, dores de cabeça, dores no peito;
– hipertensão arterial, angina de peito, AVC;
– diabetes mellitus tipo 2;
– úlceras pépticas, gastrite, duodenite;
– colite;
– perda de peso;
– maior propensão para infecções (herpes, gripe, constipações);
– maior propensão para cancro
– doenças auto-imunes (lupus, artrite reumatoide);
– amenorreia, aborto espontâneo;
– impotência sexual;
– osteoporose.

Estratégias para lidar com a saudade

As múltiplas estratégias utilizadas podem ser usadas por quem parte e por quem fica e destinam-se a facilitar a integração no novo meio, a compensar a dor do luto e o sofrimento provocado pela solidão, a aumentar a resistência do organismo, a compensar os danos provocados pelo stress continuado e a promover o relaxamento físico e psíquico e a aumentar as hormonas do bem-estar, da felicidade e do amor (dopamina, serotonina, endorfinas e oxitocina):

– Apoio social.
– Participação em grupos (redes sociais, associações de estudantes, de emigrantes, culturais).
– Integração na cultura e aprendizagem da língua do local de destino.
– Apoio religioso.
– Comunicação entre quem parte e quem fica (carta, telefone, internet…), agora mais fácil.
– Recordar vivências e partilhá-las.
– Exercício físico (aumenta os níveis de endorfinas).
– Hidroterapia (flutuação em água salgada).
– Alimentação saudável: alimentos ricos em proteínas, triptofano e AG Omega 3.
– Dormir bem.
– Música relaxante.
– Animais de estimação (sobretudo os que têm pelo e se possam abraçar).

Quando estas estratégias falham ou não são suficientes, pode ser necessário fazer tratamento farmacológico (ansiolíticos, anti-depressivos, hipnóticos, medicamentos para tratar as doenças provocadas pelo stress continuado) e/ou psicoterapêutico.

Como resolver a saudade?

A saudade resolve-se quando se aceita a perda irremediável de algo ou alguém desaparecido (cumprindo com sucesso todas as etapas do processo de luto), quando se consegue reaver o que foi perdido (regresso a casa, retorno ao trabalho, retomar um amor perdido…) ou quando a própria saudade se vai desvanecendo pouco a pouco, tornando-se numa lembrança suave, sem sofrimento.

NOTA: um abraço apertado e prolongado no reencontro gera a produção de oxitocina (a “hormona do amor”) e outras substâncias benéficas (dopamina, serotonina, endorfinas), que contrariam os efeitos das hormonas de stress.

(Autor:  Viriato Manuel de Oliveira Horta, Médico e Especialista de Medicina Geral e Familiar na Clinica Europa)

(Fonte: lifestyle.sapo.pt)

 

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