Em qualquer de suas manifestações amor é assunto complexo. Cantado e enaltecido em prosa e verso nas mais variadas épocas e culturas, parece um daqueles conceitos que podem ser pensados da mesma forma que o de tempo, nas palavras de Santo Agostinho: “Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Se ninguém me perguntar, eu sei o que é; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”, escreveu o filósofo no século 4, no livro XI, das Confissões.
“Hoje em dia há muitos nomes para o amor. Mas o amor verdadeiro não tem nome”, escreve Lama Ganchen Rinpoche no prefácio de Grande amor – um objetivo de vida. “A maioria das pessoas não conhece a filosofia mais profunda sobre os aspectos da mente, mas é capaz de entender o que é amor”, observa o mestre tibetano, com titulação equivalente ao Ph.D. em medicina e filosofia, entre outras formações, e autor de várias obras.
No livro, a psicóloga clínica Bel César e o Lama Michel Rinpoche apresentam um diálogo bom de ser acompanhado, repleto de informações densas (profundas no melhor estilo filosófico ao qual se refere Lama Ganchen), mas transmitidas de forma agradável e acessível – afinal, falam sobre um tema comum a todos.
A psicóloga clínica Bel César especializou-se no acompanhamento de pacientes que sofrem de estresse pós-traumático (TEPT), trabalhando com experiência somática, e no atendimento de pessoas que enfrentam o luto da própria morte eminente e de entes queridos. Lama Michel, com formação em filosofia budista tibetana, participa frequentemente de congressos e eventos sobre aspectos do funcionamento mental, como o Conference on Integrative Psychiatry, na Holanda.
Em Grande amor, mãe e filho encontram-se. Divido em 67 temas – que podem ser lidos em sequência ou separadamente – o livro traz informações sobre funcionamento mental, paixão, formas de sofrimento, egoísmo, manejo da raiva e da culpa, meditação, empatia e compaixão, superação, felicidade, entre outros tantos. O texto vai muito além das classificações de tipos de amor ou suas características: propõe uma contextualização ampla de aspectos e mecanismos psíquicos em relação ao amor, sob a óptica da filosofia budista. Veja abaixo alguns trechos da obra.
Sem interiorizar, não temos memória. Sem memória, não aprendemos com a experiência. Sem aprendizado, não damos valor ao vivido. Sem valor, nos sentimos vazios e carentes. E assim caímos no ciclo de sair em busca de algo que nos falta em vez de nos sentirmos preenchidos pelas vivências positivas já vividas. Primeiro dizemos que amamos, mas, assim que o outro nos frustra, desistimos de amá-lo. Há um desencantamento tão rápido que os relacionamentos terminam mesmo antes de começar.” – Bel César
“Quantas pessoas colaboraram para o nosso bem-estar? De quantas pessoas depende o fato de estarmos juntos agora? De muitas e muitas. Não há ninguém que não tenha nada a ver conosco, estamos todos interligados. Devemos então nos lembrar disso e sentir gratidão. Mas veja como funciona a nossa mente: gostamos de quem nos faz o bem, não gostamos de quem nos faz o mal. Mas quantos são os seres que nos fazem o bem e quantos são os que nos fazem o mal? O nosso bem-estar depende de quantos seres? E de quantos dependem o nosso desconforto e inquietação? O mal que nos atinge depende principalmente de nós mesmos e o bem, de muitos outros seres além de nós.” –Lama Michel Rinpoche
(Fonte: Esta matéria foi publicada originalmente na edição de dezembro de 2015, na revista Mente e Cérebro)
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