Expressões como “vá se danar”, “vá para o inferno” ou “para o diabo que te carregue” já foram consideradas ofensas gravíssimas em sociedades menos seculares, mas, por motivos óbvios, perderam a sua “eficácia ofensiva”.
Entretanto, como o baixo calão é uma espécie de roupa de baixo de toda uma indumentária linguística, que evolui, moderniza-se (no sentido mais íntimo da palavra “moda”), ele evoluiu também e, atualmente, as ofensas religiosas relacionadas ao coisa-ruim cederam lugar à eterna escatologia e, num nível mais elevado de ofensa, às metáforas para nomear elementos relacionados à sexualidade.
E os palavrões são exata e simplesmente isso: metáforas para as coisas consideradas tabus em uma sociedade, como os líquidos e massas que excretamos (ou ejaculamos); e a tudo que se relaciona à sexualidade (também sacralizada e proibida por influências religiosas, especialmente as judaico-cristãs e islâmicas).
Mas, afinal por que palavrões ofendem tanto? E se eles se constroem essencialmente numa figura de linguagem, a metáfora, por que ofendem ainda mais quando utilizados na poesia? A poesia está isenta de falar de tabu? Qual o propósito de uma poesia, quando nasce ofensiva?
É certo que existem pessoas que parecem não saber se comunicar sem fazer uso do palavrão e todo excesso é desgastante, mas um bom palavrão, mesmo em forma de catarse, como disse o humorista, liberta, desestressa e coloca a gente no eixo.
Acontece que nada parece ofender mais as pessoas de linguajar de saias até o joelho, que um “pedaço de madeira” ou “um cesto de mastro de navio” ou uma “caixinha redonda oblonga” quando metaforizam genitálias.
Para elas, usar esses termos é como entrar na igreja de sutiã e calcinha ou despir o Papa em plena Basílica de São Pedro. Poeticamente, então, nem se fala! Nem parece que a escatologia, a podridão e os aparelhos reprodutores, proibidos ou não, metaforizados ou não, estão em todos os lugares humanos, inclusive sob as vestes do sagrado, circulando pelos intestinos ou causando ereções, lubrificações, gases e cólicas mesmo às pessoas que que rezam prostradas de joelhos dobrados.
E assim como o palavrão, um dia a poesia existiu apenas em função de divindades, mas felizmente isso é passado. Hoje ela passa o dia de cueca ou calcinha ainda que esteja frio e de vez em quando entra nos templos e despe um fiel, um pastor e até uma divindade, quando não defeca na sacristia. Para a poesia, presente em todas as emoções, sensações e relações humanas, não existe o sagrado, não há hors concours. Por isso, o palavrão provoca exatamente aquilo que pretende provocar. O sagrado proíbe. E a poesia potencializa.
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