A importância da função do pai e da mãe para a constituição do novo sujeito sob uma perspectiva psicanalítica
Ser pai e ser mãe não significa apenas conceber o filho. O desejo de ter um filho é algo imaginário, derivado da intersecção de um casal. Para isso, deve haver uma disponibilidade interna no casal para “tornar-se” mãe ou pai. Há autores que defendem a idéia de que só há filiação propriamente dita se o filho for “adotado”, ou seja, se os pais realmente adotarem a idéia de serem pais.
A importância se dá, então, no fato de “estar habilitado”, de ter uma “disponibilidade interna” para desenvolver tal condição. A função materna e paterna começa, portanto, antes mesmo do nascimento do filho. A família, seja ela homo parental (composta por casais homossexuais), patriarcal (onde a figura do pai ainda é a mais forte), recomposta ou não, nasce de um desejo, da demanda de um compartilhamento, de continuidade e de reconhecimento. O ser humano demanda um outro. A criança, então, nasce na égide do narcisismo dos pais. Ela é antecedida de um desejo dos pais. À luz dos estudos do psicanalista Jacques Lacan, podemos pensar o filho enquanto “fruto da metáfora do casal”.
A figura da mãe, importante em todas as linhas de pensamento psicanalítico é, sem dúvida, a figura crucial do processo de humanização do bebê. Para Lacan, ela é o “outro primordial”. E é indiscutível que a criança cria o mundo a partir de sua relação com a mãe, sendo fruto de projeções e identificações.
Até um determinado período, a criança é o falo da mãe e a mãe é o falo para a criança. Ser o falo da mãe, no entanto, não quer dizer somente ser a “parte preciosa”; estamos sujeitos aos desejos da mãe, tanto “bons” quanto “ruins”. Podemos refletir ainda sobre o que a criança vai convocar na mãe e o lugar que essa criança ocupa no desejo materno.
O eu, escreveu Lacan, constrói-se à imagem do semelhante e primeiramente da imagem que me é devolvida pelo espelho – este sou eu. O olhar do outro devolve a imagem do que eu sou. O bebê olha para a mãe buscando a aprovação do Outro simbólico. O bebê tem que (é obrigado a) se “alienar” para que se constitua um “sujeito”. Porém só quando o bebê perde o objeto do seu desejo (mãe/seio) é que ele verifica que sua mãe não faz parte do seu corpo e não é completo (completude). Esta perda/separação vem por meio do “Significante Nome do Pai” que são as leis e limitações naturais da vida (trabalho, individualidade etc.).
Lacan refere-se à mãe como “outro primordial” no sentido de que ela ocupa primordialmente o lugar do grande Outro. A mãe sempre considera o pai; neste caso, entende-se o pai como a cultura, o outro que quebra a relação do “Outro primordial”, na qual, até então, só existiam a mãe e o bebê. A figura paterna, no sentido acima exposto, é essencial para a inserção do indivíduo na cultura, no mundo.
A função paterna é, portanto, caracterizada por dar limites, trazer para o filho a noção de lei. Isso se inicia muito cedo, quando o pai impede o bebê de ficar com a mãe em tempo integral, facilitando momentos de ausência da mãe para com o filho. O pai entra num mundo que antes era só da mãe e do bebê; a função paterna é basicamente essa: permitir ao bebê que tenha sua vida própria, independente da mãe.
A mãe, considerada “desejante” para o bebê, pode então, propiciada pelo corte realizado pelo pai, colocar limites ao filho, mostrando a ele que não é o único depositário de seus desejos (uma vez que há o pai) e que a separação é necessária.
MAL NECESSÁRIO
A presença do pai, bem como a carência em relação ao mesmo, segundo Lacan, não está necessariamente ligada a sua presença ou ausência física, sendo função simbólica. Poderíamos enfatizar dizendo que o maior papel do pai está no desejo da mãe, ou seja, o desejo materno destinado a um homem que ocupa o lugar do pai. Poderíamos acrescentar que o pai é como um suporte para a mãe. Segundo Miller (apud Faria, 2003, p. 153) “o desejo da mãe deve se dirigir para um homem e ser atraído por ele”.
Para Ceccarelli (2002), a existência de algo que separa e mãe e o filho é condição fundamental para a constituição do sujeito. No entanto, dar a isto o nome de “função paterna” é ainda um reflexo do patriarcado que vivemos, existindo ainda a necessidade de que esse papel seja cumprido pelo homem.
Segundo Lacan, a família é um mal necessário uma vez que a condição humana é prematura; o homem nasce prematuro, incapaz de se desenvolver só, sem o outro. Portanto, ao mesmo tempo em que o sujeito surge de uma demanda da família, a família também existe enquanto demanda do sujeito, uma vez que é ele que a “alimenta” e a mantém viva.
A constituição do sujeito na família depende do outro, de reconhecer-se e ser reconhecido, de negociar um lugar com o outro, de receber uma função e se deslocar como sujeito autônomo e dependente. Fica patente nos estudos lacanianos que se depende do outro para ocupar uma função.
Desta forma, podemos pensar que nos valorizamos enquanto sujeito em relação ao lugar que os outros nos dão, e da mesma forma nos desvalorizamos.
É interessante, portanto, perceber, antes de qualquer coisa, o lugar que o filho ocupa na família e nos desejos de seus pais, para entender sua subjetividade. Daí a importância de refletirmos as funções paternas e maternas, não procurando entendê-las enquanto funções isoladas e independentes, mas como constituintes do sujeito na família.
REFERÊNCIAS : CECCARELLI, P. R. Configurações Edípicas da contemporaneidade: reflexões sobre as novas formas de filiação. São Paulo: Revista de Psicanálise, 2002. Ano XV, p. 88-98. DOR, J. O pai e sua função em Psicanálise. Jorge Zahar editor, 1991. EIGUER, A. Um divã para a família – do modelo grupal à terapia familiar psicanalítica. Porto Alegre: Artes médicas, 1985. FARIA, M. R. Constituição do sujeito e estrutura familiar – o complexo de Édipo de Freud a Lacan. Taubaté: Cabral Editora e Livraria Universitária, 2003. PASSOS, M. C. Homoparentalidade: uma entre outras formas de ser família. Psicologia Clínica, PUC-RJ, v. 17, p. 31-43, 2005.
(Autora: Glaucy Abdon)
(Fonte: psiquecienciaevida)
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