Os quase 12 meses enfrentando a pandemia têm deixado profissionais de saúde de hospitais e lares para idosos à beira do colapso mental, advertiu à BBC a britânica Claire Goodwin-Fee, diretora de uma organização que oferece apoio psicológico gratuito a equipes médicas no Reino Unido.

Sua organização, chamada Frontline19, tem atendido 1,8 mil desses profissionais por semana.

Em depoimento à BBC, Goodwin-Fee explicou a dimensão dos problemas mentais e do fardo que têm sido vivenciados pelas equipes de saúde na linha de frente contra o coronavírus:

‘As pessoas se sentem mal só de ter que ir trabalhar’
“Eles (médicos e profissionais de saúde) estão de joelhos. Há uma quantidade enorme de ansiedade. As pessoas se sentem mal só de ter que ir trabalhar e pelo que vão ver ali.

Eles veem múltiplas mortes em um único turno de trabalho. Outro dia, um (me disse que) viu oito ou nove pessoas morrerem.

Outra pessoa entrou em contato conosco e disse: ‘quando chegar a hora de voltar ao meu plantão, amanhã, sei que seis dos meus pacientes não vão mais estar vivos. Como lido com isso?’

Equipes na linha de frente não estão tendo tempo de processar tudo. Então é trauma atrás de trauma atrás de trauma. E no entanto essas pessoas voltam para suas casas, jantam, tentam relaxar o máximo que conseguem, se desinfectam — o tempo todo se preocupando quanto a se vão contaminar as pessoas com as quais vivem.

Alguns deles vão funcionar no piloto automático, até o momento em que ficarem fisicamente incapacitados, mas porque estão sendo empurrados ao limite.

‘Ele colocou a cabeça na mesa, soluçou e disse: não aguento mais’
Atendemos um médico que tem uma jovem família, mas está se mantendo distante deles e estava traumatizado pelo fato de ter perdido dois de seus colegas para a covid-19. Em um dos turnos, ele logo cedo perdeu cinco pacientes, e logo que os leitos ficaram vagos, foram preenchidos com outros pacientes.

Foi quando ele teve que telefonar para os parentes das pessoas que infelizmente haviam falecido. Ele disse que não estava preparado para aquilo — não sabia o que dizer. Ele desligou o telefone, colocou a cabeça na mesa, soluçou e disse: ‘não aguento mais’.

Paramédicos dizem que chegam à casa das pessoas, olham para elas e sabem que elas vão morrer, de tão doentes que estão.

Um desses eventos pode acontecer, e você provavelmente consegue lidar com ele se tiver apoio adequado. Mas isso está acontecendo inúmeras vezes por turno. Como alguém consegue lidar com isso?

Equipes de cuidados médicos domiciliares também tiveram muitas dificuldades durante esta pandemia. A dedicação e compaixão deles pelas pessoas de quem cuidado é incrível e inspiradora. Muitos se mudaram aos asilos porque não queriam arriscar a contaminação (nos deslocamentos).

Alguns contam que perderam 70% das pessoas nesses lares. Lavaram e vestiram seus corpos, e são pessoas com as quais tinham uma relação: pessoas que ajudaram a alimentar, a cuidar, com quem conversavam e compartilhavam memórias.

E daí têm de vesti-los para seus velórios, e voltar para casa ou ir para o andar de cima (do lar do idoso) e tentar relaxar. É horroroso, absolutamente horroroso. E lares de idosos foram ignorados por muito tempo e precisam de apoio.

Há também médicos morando em garagens ou hotéis, mantendo-se distantes de seus entes queridos, porque sabem que a nova variante (do coronavírus) é mais contagiosa então precisam protegê-los — ao mesmo tempo em que têm de ser mães e pais, avós e avôs.

E tem gente que diz ‘a covid-19 não existe’. Adoraria que as pessoas pudessem ver o que está acontecendo dentro das alas (hospitalares). É horrível.

Conversei com algumas pessoas a respeito das iniciativas de aplaudir profissionais de saúde. Sei que a intenção é boa, mas as (equipes médicas) estão furiosas. Eles não querem aplausos. Eles querem que as pessoas fiquem em casa e, se tiverem de sair, que saiam de máscara.

‘O sistema está começando a quebrar’
Há equipes que já haviam passado por situações de terrorismo e nunca receberam apoio. Agora, com a pandemia, muitos desenvolveram algo chamado de TEPT complexo (TEPT é sigla de transtorno de estresse pós-traumático), que é quando alguém assiste a numerosas situações de estresse.

Muitos continuam trabalhando, mesmo tendo o transtorno. Outros estão de licença médica, vivendo em total colapso mental, de tão traumatizados pelo que estão vendo.

O sistema de saúde está começando a quebrar, mas ainda vai piorar.

Até outubro, o total de dias de licença médica por problemas de saúde mental (tirados por profissionais do sistema de saúde pública britânico) no NHS foi de 500 mil dias. Isso vai ser um problema maior no longo prazo e precisa ser enfrentado.

É ótimo que as pessoas (equipes de saúde) estejam buscando ajuda (psicológica), mas às vezes ficamos sobrecarregados, porque a demanda é tão grande. (…) No longo prazo, o que vai acontecer com essas pessoas, que são a espinha dorsal do país?”

(Imagem: SJ Objio)
(Fonte: msn)

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