Pesquisadores da Unicamp que estudam a esquizofrenia têm cada vez mais certeza de que a causa da doença está relacionada a uma célula do cérebro chamada oligodentrócito, e não ao neurônio, até então o principal foco das investigações pela comunidade científica em todo o mundo. “A esquizofrenia pode não ser uma doença do neurônio, mas do oligodentrócito”, enfatiza o professor Daniel Martins-de-Souza, chefe do Laboratório de Neuroproteômica do Instituto de Biologia (IB).

Utilizando tecido cerebral humano coletado de pacientes após a morte, e culturas de células, a equipe do laboratório descobriu uma falha no metabolismo energético do oligodentrócito. A célula é responsável pela formação da bainha de mielina que envolve o axônio, a parte do neurônio equivalente a um “braço”, que se liga a outro neurônio em uma sinapse. A mielina “encapa” o axônio e impede a perda de energia na transmissão de impulsos de um neurônio a outro. “Se você não tem um bom ‘encapamento’, a transmissão deixa de ocorrer corretamente. Isso é o que acontece na esquizofrenia. Os estudos indicam que a raiz do problema é oligodentrócito”, ressaltou Daniel.

Três pesquisadores do laboratório têm trabalhos diretamente relacionadas ao tema e vêm publicando os achados do grupo em vários artigos que se complementam. Há papers publicados nas revistas Schizophrenia Research, Journal of Psychiatric Research, Journal of Proteome Research e Molecular Neuropsychiatry, entre outras. Participaram da entrevista ao Jornal da Unicamp as doutorandas Verônica Saia-Cereda, Giuliana Zuccoli e o doutorando Guilherme Reis-de-Oliveira.

Verônica explicou que o oligodentrócito, além de ser responsável pela mielinização, suporta energeticamente os neurônios por meio de uma via bioquímica que é a glicólise. A energia gerada na glicólise pelo oligodentrócito é exportada para o axônio. Provavelmente o oligodentrócito não consegue fazer bem seu trabalho de mielinização e de suporte energético do axônio por falhar no processo de glicólise.

“O metabolismo energético disfuncional no cérebro não é específico da esquizofrenia, o que a gente acredita é na via específica que é a glicólise. Essa é a via que nos faz dizer que o oligodentrócito está disfuncional do ponto de vista energético”, detalhou Daniel. O professor complementa que a glicólise é uma “assinatura” da esquizofrenia.

Os avanços que o grupo está conseguindo vêm de análises do ponto de vista molecular para identificar como as proteínas agem sobre o estabelecimento da doença. Para isso, os pesquisadores recorrem à abordagem proteômica, que tem permitido estudos em larga escala da expressão proteica em diferentes tecidos e fluidos corporais. Os achados das pesquisas davam conta de uma relação de proteínas associadas ao metabolismo energético das células, especialmente o oligodentrócito.

Segundo o professor, os tecidos com a doença são provenientes de regiões do cérebro sabidamente afetadas pela esquizofrenia. “Há pelo menos 20 anos já se sabia que essas regiões cerebrais estavam envolvidas, como era visto por meio de estudos de imagens. Mas havia poucas evidencias bioquímicas, de como as proteínas agem na doença. Isso pode nos fazer entender melhor a esquizofrenia e ajuda a pensar em novos tipos de tratamento”.

Cerca de 30 milhões de pessoas no mundo e 1,7% da população brasileira desenvolvem a doença segundo os pesquisadores do grupo. Muito dinheiro é investido para cobrir gastos com os pacientes e, apesar disso, a maioria ainda não recebe tratamento adequado. Os antipisicóticos, embora sejam o principal tratamento, têm ação limitada de acordo com os pesquisadores, pois não foram desenvolvidos com base na bioquímica da doença. Os pacientes têm sua vida pessoal significativamente afetada porque a maioria não consegue trabalhar ou estudar.

O oligodengrócito é uma das células da glia, que é parte do sistema nervoso. A questão, segundo os pesquisadores da Unicamp, é que por muito tempo acreditou-se que estas células eram apenas um meio, ou “cola”, oferecendo quase que exclusivamente um suporte físico para os neurônios. “Em comparação aos neurônios, sabe-se pouco sobre o papel da glia na doença. Novos medicamentos sempre procuram tratar o neurônio, mas os achados indicam que o tratamento precisa incluir as células da glia”, afirmou Daniel. O grupo do laboratório investiga ainda como os antipsicóticos atuam sobre os oligodentrócitos.

Fonte: unicamp.br

Imagem: JU-online

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