A gente se cansa. A gente se cansa das pessoas, dos lugares, do trabalho. A gente se esgota. Acumulamos muita coisa parada aqui dentro de nós, coisas que não digerimos, palavras que não devolvemos, ofensas que não rebatemos, vazios que não nos sustentam. O tempo torna tudo mais pesado e, frequentemente, embaralha as nossas verdades, sufocando o nosso respirar. Às vezes, é preciso dar um tempo, é preciso dar-se um tempo. Para os outros e para nós mesmos.

É preciso dar um tempo longe de pessoas cuja importância ainda não nos é clara, cuja companhia não é uma certeza; pessoas que permanecem ao nosso lado sem estar ali de verdade ou com vontade. Perdemos horas preciosas dando importância a quem mal se lembra de nossa existência, a quem somente nos procura quando lhe convém, a quem pouco importa como nos sentimos. Isso nos esgota.

É preciso dar um tempo longe dos lugares onde não encontramos receptividade calorosa, não provocamos sorrisos sinceros, não recebemos abraços intensos. Existem espaços que já não mais nos comportam, que não requerem nossa presença, em que não mais cabemos porque nada ali nos acrescenta. Trata-se de lugares que parecem correr da gente e que nunca conseguimos alcançar; onde ficamos de maneira forçada. Isso nos diminui.

É preciso dar um tempo longe do relacionamento que nem sabemos mais se é amoroso ou o que quer que seja, se tem vai com volta, onde não mais existe calor, arrepio, frio na barriga, coração que salta. Muitas vezes, insistimos na manutenção de uma relação que se vale do comodismo, da conveniência gratuita, de aparências frágeis. Acabamos nos confortando em terreno falso e arenoso, presos a ilusões de que tudo pode mudar. Isso nos frustra.

É preciso dar um tempo longe do trabalho que esgota, suga, assedia, machuca e drena nossas forças, nossa dignidade. Não é possível suportar por muito tempo ter que chegar contrariado todos os dias a um lugar onde os colegas das mesas ao lado são falsos, onde o chefe destrata a todos, onde a pilha de serviços acumulados é maior do que o prazer que sentimos enquanto passam as horas que se arrastam.

Não é possível manter a sanidade mental onde a maldade impera, as ofensas se alastram, a fofoca é doentia, onde a felicidade nunca entra. Isso nos adoece.

É certo que não estaremos sempre rodeados por gente do bem, nem poderemos sentir prazer em tudo o que fizermos, porém, evitar permanecer onde o vazio e a dor reinam sempre poderá nos salvar de um viver arrastado, de um caminhar moroso, de companhias erradas, de amores doídos. Termos um tempo sozinhos, bem longe, para refletirmos sobre nossas vidas e tudo o que trazemos para junto dela, irá nos dar clareza quanto à real importância do que e de quem vale a pena manter conosco.

O resto a gente vai jogando fora, aos poucos, para que nos livremos de tudo o que só atrapalha essa felicidade que é tão preciosa, tão necessária, tão nossa.

(Imagem: Engin Akyurt)

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Graduado em Letras e Mestre em "História, Filosofia e Educação" pela Unicamp/SP, atua como Supervisor de Ensino e como Professor Universitário e de Educação Básica. É apaixonado por leituras, filmes, músicas, chocolate e pela família. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

1 COMENTÁRIO

  1. Obrigada.
    Hoje é o sexto aniversário de abandono. Minha filha me abandonou porque não aguentou mais viver com uma mãe deprestiva e doente. Eu a entendo mas sofro.
    Sei que a sedução de um pai rico porém, mau caráter, contribuiu bastante.
    Nem morrer eu consegui.
    Não sei qual a finalidade da minha existência. Respiro mas não creio nisso como vida.

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