Pois é, aqui está um dos grandes paradoxos de nossa existência.
Desde cedo, somos ativamente educados pelos nossos pais e cuidadores a respeito das mais variadas coisas de nossa vida que, diga-se de passagem, apenas começou. Somos orientados a praticamente tudo, ou seja, como nos portar à mesa, como agir em relação aos nossos irmãos e familiares, estranhos, somos também ensinados como lidar com nossas emoções etc. e, como bem sabemos, esse processo segue firme e forte adentrando de maneira intensa nos períodos escolares.
Essa orientação contínua que é destinada desde o início a nós, aos poucos, declina para que, na adolescência, volte a atingir (se não superar) os níveis anteriores, fazendo assim com que tenhamos que enfrentar uma das fases mais delicadas, uma vez que ela é marcada pelos grandes antagonismos comportamentais com nosso entorno.
Com raras exceções, alguns passarão ilesos, entretanto, o gosto amargo de não nos sentirmos, muitas vezes, adequados – em função dos julgamentos constantes e inevitáveis -, cobrará um pedágio bastante alto e que poderá ser sentido ao longo de boa parte de nosso desenvolvimento futuro.
Compreendendo melhor
Na infância, como nosso cérebro ainda não está muito desenvolvido e nosso raciocínio ainda está em processo de construção, as orientações que ouvimos dos mais velhos ficam marcadas em nossa memória de várias formas. Uma delas, entretanto, diz respeito ao registro das “sensações” que experimentamos simultaneamente às dicas que recebemos.
Assim, se você teve a sorte de passar por um ambiente razoavelmente equilibrado, terá experimentado uma alternância de elogios e reprimendas, por exemplo. Terá também conseguido viver uma alternância de sensações que foram do conforto ao desconforto, criando, possivelmente, um continuum de experiências neutras e até mesmo positivas. Ocorre, todavia, que, em certos ambientes, a hostilidade familiar é uma tônica, colaborando então para que uma sensação (ou uma marca contínua) de mais desconforto emocional seja então experimentada.
Pesquisas afirmam que, em ambientes positivos, é favorecida uma possibilidade de recordação mais detalhada das memórias infantis, pois há um “fio” condutor experiencial mais homogêneo e, no caso de lares mais instáveis, as memórias infantis não ficam registradas linearmente, mas sim, episodicamente, pois o desconforto emocional repetitivo cria maiores rupturas cronológicas, favorecendo menores registros emocionais (quem já não conheceu pessoas que se recordam muito pouco de sua infância?). (1)
Para ficar mais claro, é como se fosse uma viagem (de vida) por uma estrada pavimentada e lisa onde tudo sai bem e, em outras viagens, uma estrada esburacada e perigosa. Na primeira situação, a experiência do trajeto é mais agradável, pois estamos mais relaxados, enquanto que, no segundo, o trajeto é marcado por mais apreensão e estresse.
Portanto, menos críticas e mais orientações cuidadosas na infância, maior será a continuidade mental e melhor clareza de quem a criança é e, por outro lado, maior censura e desaprovação, maior será a interrupção temporal e, portanto, uma menor noção psicológica de quem somos, enquanto pequenos. É exatamente assim que nossa autoestima é construída, ou seja, uma sucessão de estados emocionais que dão o contorno de quem nos tornaremos.
Como somos seres gregários, ou seja, desde nossos primeiros dias sobre o planeta, vivemos em grupos, quanto mais distantes ficávamos dos demais, menores eram as chances de sobrevivência. Ocorre que, com o passar do tempo, nosso cérebro desenvolveu uma reação automática frente às situações de perigo e de ameaça e, assim, hoje, basta que a nosso cérebro identifique uma condição de insegurança, para que a função “aproximação com os outros” seja imediatamente acionada, fazendo com que o bando (família, grupo ou amigos) seja novamente buscado. (2)
Bem, e qual a relação da crítica e da desaprovação com isso?
A reprovação tem o poder então de acionar, automaticamente, os “botões mentais” da exclusão do grupo, gerando profundo desconforto psicológico.
Vamos novamente: sempre que vivemos momentos de crítica, nos sentimos física e emocionalmente ameaçados e, mais que isso, como se estivéssemos em risco de “sermos banidos”.
Estudos de ressonância magnética demonstraram, por exemplo, que, durante uma experiência de exclusão ou de afastamento do grupo, as áreas do cérebro que se tornam ativas são exatamente as mesmas de quando experimentamos uma dor física. Assim sendo, neurologicamente falando, uma das possíveis explicações porque sentir-se criticado causa dor física (e não apenas o mal-estar emocional), em função da ativação das mesmas vias cerebrais. (3)
Conclusão
Com todo o acesso ao conhecimento que temos nos dias de hoje, já teríamos – em tese – capacidade de começar a discernir uma crítica de uma rejeição, certo?
A grande maioria das pessoas, infelizmente, frente às situações de desaprovação, ainda reagem de forma completamente desadaptativa, ou seja, respondem como se estivessem sendo, efetivamente, atacadas e banidas. Tais circunstâncias continuam tendo o poder de evocar fortes reações de antagonismo e de agressividade interpessoal. E, aqui, está um dos maiores paradoxos da vida em família, no grupo e nas organizações.
Como falar algo para outra pessoa, sem que ela se sinta magoada e reprovada?…
A maturidade emocional começa exatamente no momento em que eu consigo superar meus instintos mais primitivos e, portanto, ouvir com mais neutralidade aspectos relativos aos meus comportamentos e não a minha pessoa.
Saibam, portanto, separar uma coisa da outra.
Mesmo nossos desafetos, sempre terão algo a nos pontuar – o que é excelente do ponto de vista de nosso amadurecimento psicológico, desde que consigamos aprender, logicamente, a manejá-los.
Vamos começar a reagir às críticas sem tanta dor?…
“Liberdade é quando não mais nos sentimos vítimas do meio ambiente” – antigo ditado budista.
Os comentários negativos também têm o poder de desenvolver uma extrema sensibilidade emocional frente às relações com os demais, ou seja, contribuem para que essas pessoas que foram mais criticadas no passado criem expectativas mais fantasiosas e/ou irreais em relação a rejeições futuras. Como consequência, aumentam as chances de desenvolvimento de depressão e ansiedade. (4)
Pesquisas apontam também uma forte correlação entre a rejeição prévia e a escolha futura de parceiros românticos mais inadequados onde a omissão, desatenção e descuido são mais preponderantes. Dependendo da intensidade da rejeição e das reprovações anteriores, observa-se uma necessidade aumentada de aceitação ou aprovação do parceiro afetivo, como forma de neutralizar os sentimentos passados.
(1) http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872005000200005
(2) http://www.pearsonclinical.com.br/teoria-do-apego.html
(3) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15242688
(4) http://www.apa.org/monitor/2012/04/rejection.aspx
(Imagem: Bruce Mars)