“Temos medo da liberdade. A liberdade assusta o homem, ao contrário da escravidão, o impede de viver plenamente o presente porque esvazia o passado e o faz acreditar que não se pode sonhar, voar e esperar”.
(Papa Francisco)
Durante a minha graduação, um dos estágios foi na área de Psicologia Forense. Eu realizava a parte prática do estágio na Cadeia do São Bernardo, em Campinas. Um dia me perguntaram por que eu havia escolhido a cadeia se poderia ter optado pela Delegacia da Mulher, por exemplo, onde então eu estaria ajudando mulheres e não infratores. Fui um dia à DDM com a amiga que havia optado por estagiar lá e saí com a certeza que, para mim, era muito mais fácil enfrentar o “cadeião”.
Assistir àquelas mulheres chegando todos os dias, visivelmente machucadas para denunciar os agressores e, no dia seguinte vê-las voltando para retirar a queixa me fazia mal. Somos um povo machista, diariamente, muitas mulheres são violentadas e mortas, mas quero falar de algo bem mais sutil, porém igualmente doloroso e praticado por indivíduos de ambos os sexos: o cárcere emocional.
É muito fácil ilustrar um cárcere quando se trata de uma mulher que vive um relacionamento afetivo com um parceiro que a violenta física e verbalmente e não entender porque ela se mantém ali, porque cede sempre e porque se nega a aceitar qualquer tipo de ajuda. Uma mulher que se mantém presa numa relação violenta, desprovida de qualquer autoestima, é motivada pelo medo e por acreditar que aquele tipo de comportamento agressivo é afetivo. Ela acredita mesmo que o parceiro a ama, e acredita que não será amada por mais ninguém. Como ela não se gosta, acaba acreditando que não merece nada mais do que aquilo.
A violência física e/ou verbal, além de ser um desvio de conduta, é também uma tentativa de controle, de ameaça, e vem de pessoas que acreditam mesmo ter o direito de agir assim com o outro. A grande questão é que as pessoas que vivem sob o cárcere emocional nem sempre são agredidas fisicamente. Não é preciso bater para machucar, muitas vezes um olhar, um tom de voz ou uma palavra machucam muito mais e exercem um controle nada saudável. Se a relação gera medo, insegurança ou desconforto constante, o sinal é de que há cárcere emocional.
É exatamente o “afeto” que muitas vezes é usado como forma de controlar o outro. Seria mais ou menos assim: “eu te amo desde que….” ou “eu te amo” verbalizado associado a ações contrárias ou mesmo um “então não te amo mais”. Muitas pessoas vivem presas em relações que já deram enormes sinais de serem nada afetivas, porém, estão encarceradas com medo do mundo, do novo, da vida. Algumas chegam a dar desculpas como dependência financeira – como se dinheiro e afeto tivessem alguma ligação! Não tem viu, e nem devem ter!
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Lembro-me de ter acompanhado profissionalmente poucos casos nos quais se envolvia violência física, porém me lembro de muitos dos meus pacientes presos em cárceres emocionais, cujos algozes eram os pais, os filhos, os amigos ou companheiros. Relações que eram foco da terapia, pois os mantinham presos, tensos e com um medo parecido com o da mulher que espera amedrontada com que humor o marido violento vai chegar.
Talvez vocês se lembrem de alguns casos nos quais mulheres foram mantidas em cárcere desde ainda muito meninas. Elas, ao saírem, não tinham a menor noção do que acontecera. Acreditavam que seus algozes as amavam, porque cuidavam delas, as mantinham protegidas, quando na verdade eram mantidas acorrentadas, em sótãos e estupradas. Talvez para elas aquilo fosse afeto. Talvez as mulheres que vi na DDM acreditem serem amadas e acreditem que o melhor seja estar ao lado do agressor, porque têm medo, porque já eram agredidas desde a infância, porque se acham um lixo.
Acredito que as relações devam evoluir para a liberdade. Analisemos a nós mesmos e vejamos se não estamos encarcerados – ou pior – se não estamos encarcerando alguém com algum tipo de afeto cobrado, ou algum tipo de ameaça, ou mesmo de violência. Antes de se chocar, pense se seu amor é mesmo incondicional ou se você emburra, faz cara feia e diz que não ama mais quando o outro não faz exatamente o que você quer. Relações são ruas de duas mãos que devem fluir em ambos os sentidos, não apenas no seu. Não há afeto no cárcere. A liberdade e o respeito são bases para toda relação real.