Acontece em todas as festas. Depois dos risos, dos perfumes recendendo, das chegadas pirotécnicas, dos abraços e dos beijos em boa dose, depois das fotografias e de todo o protocolo festivo, chega o instante estranho em que o volume da música diminui, os convivas populares desaparecem e ali permanecemos apenas nós, as pessoas imperfeitas deste mundo.
Agora somos nós e nossos defeitos. Nós e nossas faltas imperdoáveis, nossas incoerências, nossa incapacidade de adaptação, nossa incompetência para a perfeição que outros fazem parecer tão fácil. Nós e nosso talento para perder o trem. Aqui restamos nós e nossa companhia solitária. Nós e nossas misteriosas disposições pessoais para o erro. Nós, as pessoas imperfeitas deste mundo.
Em nossa imperfeição de quem sobra, é como se tivéssemos os cotovelos invertidos, iguais aos habitantes daquela antiga tribo imaginária narrada por um poeta, cujos cotovelos ficam do lado de dentro dos braços. Assim, incapazes de levar as mãos à própria boca, aprendemos a nos alimentar uns aos outros. Por isso somos os últimos a deixar a festa. Porque esbanjamos tempo uns com os outros. Nós, as pessoas imperfeitas deste mundo.
É, somos nós essa gente suspeita que caminha pelas ruas à noite, alimentando com a luz mansa que vem das casas a nossa alma anoitecida. Nós que, reunidos ao final da festa, nos completamos na solidão silenciosa de mil canções tocando em sequência aqui dentro. Afinal, também sabem viver em grupo as pessoas imperfeitas deste mundo.
E quando a vida nos reserva uma comida boa, saborosa, caseira, tão caseira que é possível ouvir a voz da avó gritando ao fundo: “vem comer, cambada!”, é nas outras pessoas imperfeitas deste mundo que nós pensamos.
Nós, essa espécie que sempre avista o amor com assombro, que estremece e foge quando se sente ameaçada e que por isso é julgada covarde, cafajeste, bandida, egoísta, malandra. Nós, acusados ainda de autopiedade, aqui e ali escapulimos dos implacáveis bastiões da perfeição, tão dedicados a criar problemas desnecessários, tão empenhados em nos criticar com afinco, apontar nossos erros imperdoáveis, nos sentenciando e condenando ao fogo do inferno e à solidão do asilo. Quem sabe, assim, aprendemos com sua irretocável perfeição.
A nós, resta assistir a tudo calados. O que mais fazer? Somos só as pessoas imperfeitas deste mundo. E o mundo foi tomado pela casta grandiosa de super-heróis atacando os defeitos alheios para adiar eternamente o momento de olhar suas próprias desgraças.
Nossos silêncios transbordam, nossas querências borbulham, mas não pronunciamos palavra em defesa direta que os desminta. Para quê? De nada adianta. Não importa o que fizermos, seremos sempre, sempre as pessoas imperfeitas deste mundo.