Vivemos em uma era que a beleza humana é fortemente atrelada a negação do tempo e também uma cultura que cultua ao corpo.

O Brasil é um dos líderes no número de cirurgias plásticas e procedimentos estéticos e isso se mostra bastante banalizado na sociedade, assim é bastante comum ouvir que alguém já se submeteu a algum procedimento do tipo, seja homem ou mulher.

O olhar julga quem foge aos padrões, se vive em uma sociedade muito competitiva, em que a vida deve ser invejada, faltando o viver, de fato. Certamente, não há alguém que já não tenha lido ou ouvido as inúmeras regras que deveria seguir de imediato para melhorar a sua aparência. O meio como se chega ao resultado parece importar menos que o belo resultado, não? Talvez isso justifique o quanto alguns costumam negar que já se submeteram a cirurgias plásticas, talvez com a intenção de afirmar “já nasci belo assim”.

Nossos tempos mostram que o corpo e a mente estão à disposição da ciência, da propaganda e principalmente do mercado. O sujeito se faz objeto, então experimenta uma série de medicamentos e procedimentos sem grandes ressalvas, o corpo se mostra muito reduzido a imagem, além de poder ser manipulado, operado, transformado por meio de técnicas cientificas que visam driblar o inevitável envelhecimento e morte. (RINALDI, 2011).

Em contrapartida esse excesso de padrões parece adoecer a sociedade, com transtornos alimentares, problemas de auto-estima, financeiros, entre outros. Esse corpo tem se tornado um palco de muitos conflitos e questionamentos, afinal o que mudará quando se atingir certo padrão? O padrão é de fato atingível? (SOUZA, 2007).

Até a edição de 1971, o Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Hollanda, atribuía ao significante Beleza, o significado de “qualidade do que é belo; da coisa bela ou agradável; da mulher bela.” O que talvez justifica essa maior imposição do padrão de beleza sobre a mulher, tão enraizado na sociedade. (VILHENA, MEDEIROS&NOVAES, 2005).

Uma mulher “perfeita” deveria alinhar a tríade: saúde – juventude – beleza, assim os três parecem indissociáveis. Contudo, cada dia mais se noticia sobre a vivência de transtornos alimentares ou qualquer outra evidencia que descartam a relação de beleza e saúde. Afinal, nunca se sabe o que foi feito nos bastidores para se chegar a aquele corpo. No caso dos famosos, são vistas apenas fotos, muitas vezes bastante retocadas, mas e a realidade? Como está? E a saúde?

O enlaçamento entre a palavra beleza e tudo aquilo que se refere ao campo da feminilidade parece tão antigo quanto à civilização. Aliás, a própria palavra pertence ao gênero feminino. (VILHENA, MEDEIROS&NOVAES, 2005).

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A felicidade da vida é predominantemente buscada na obtenção da beleza, parecendo haver certa segurança contra o sofrimento e a frustração. O fracasso dos objetivos, como a dieta iniciada toda segunda-feira, faz com que a pessoa viva uma vida marcada pela insatisfação e forte sentimento punitivo.

Pensar que poderá atingir um ideal de beleza, é repensar suas relações com o outro, assim se crê que será mais fácil a sedução e conservação do amor, vivendo aquela ilusão de “felizes para sempre”. A beleza então despertaria o olhar de desejo do outro e amenizaria as angústias relacionadas ao desamparo. Contudo, não seria um sonho um tanto complexo demais? Afinal, o olhar do outro não resolveria tantas questões particulares. (VILHENA, MEDEIROS&NOVAES, 2005).

É cruel a luta contra si mesmo e contra o tempo, afinal acabam consumindo compulsivamente produtos que prometem retardar o envelhecimento e manter sua beleza, contudo, esta é uma luta quase perdida. Lutar contra si próprio, contra o espelho, buscando neste uma versão melhorada de si mesmo. (VILHENA, MEDEIROS&NOVAES, 2005).

Pensar em ser feio é visto como terror, pois se remete a uma série de prejuízos sociais, físicos e psicológicos. Vive-se um constrangimento por sua existência, um sentimento de ser o próprio algoz, e isso dó demais.

Por trás de alguém que se julga belo ou não, há sempre um discurso dos pais e cuidadores, além de colegas, o qual os marcou e possibilitou uma construção de identidade própria. Talvez tais palavras remetam a um olhar falho, afinal a beleza está nos olhos de quem vê. Assim, não é a beleza que faltou aos olhos, mas sim o desejo que se ausentou.

Tentar mudar a aparência seria como tentar mudar a identidade, ao mesmo tempo em que um padrão de beleza une aquelas pessoas de algum modo. Paradoxalmente, se encaixar num padrão de beleza é algo mais coletivo do que particular.

Não é saudável viver tamanha escravidão pensando “no dia que eu for assim usarei…”, “quando eu emagrecer…”. A vida é agora.

Referências:
RINALDI, D. (2011) O corpo estranho. Rev. latinoam. psicopatol. Fundam. São Paulo, v. 14, n. 3, p. 440-451.
SOUZA, K. C. V. de. (2007). O feminino na estética do corpo: uma leitura psicanalítica. Dissertação de mestrado, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Universidade Católica de Pernambuco, Recife.
VILHENA, MEDEIROS & NOVAES. (2005) A violência da imagem: estética, feminino e contemporaneidade. Rev. Mal-Estar Subj., Fortaleza, v. 5, n. 1, p. 109-144.

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Psicóloga, estudante de Psicanálise. Colunista do site Fãs da Psicanálise.

1 COMENTÁRIO

  1. Texto muito construtivo, recentemente falei do assunto no meu blog, tal tem sido essa ditadura da beleza e a procura pela perfeição algo cada vez maior principalmente entre as mulheres.
    Se conscientizar quanto aos limites é extremamente necessário.

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