*Se você é psicólogo sabe exatamente do que eu estou falando. Se você não é, escute bem, ou melhor, leia bem e nos ajude a dizer não à banalização da Psicologia.

Nós da área Psi, TODOS NÓS da área psi, algum dia na vida – desde a graduação – já ouvimos frases assim:
– Você é psicólogo? Que legal! Meu sonho era fazer Psicologia…
– Nossa! Você estuda psicologia? Uau! Deve ser muito interessante né? Antes de decidir fazer Oceanografia, todos me diziam que eu devia fazer Psicologia porque sou um bom conselheiro…
– Caraca, você é psicólogo? Depois que eu me aposentar ainda vou realizar o sonho de fazer Psicologia. Eu gosto de conversar com as pessoas…
– Ah! Psicólogo? Sempre quis muito fazer esse curso pra compreender melhor a mente humana. (Essa pode variar assim: pra compreender o comportamento humano).

Estes são apenas alguns exemplos de coisas que já ouvimos, mas a lista é muitíssimo grande. Por um lado, sentimos muito orgulho de fazer parte de uma “espécie” de profissional que nunca, JAMAIS, passará ileso em qualquer diálogo à toa. Ninguém conseguirá falar que é psicólogo e ouvir apenas o doce som do silêncio, sempre haverá algum comentário.

Não que isso seja ruim, mas eu confesso que, dependendo da pessoa que acabei de conhecer, eu minto minha profissão. Os colegas sabem o motivo. De tudo o que já ouvi, concluo que 80% das pessoas já pensaram, pelo menos uma vez na vida, em fazer Psicologia. E digo mais: concluo que 80% dos seres humanos da face da Terra acreditam que têm lá seus dons psicológicos.

Ter uma profissão assim tão desejada é motivo de orgulho incalculável, inoxidável. Mas o problema é que as coisas não param por aí. As pessoas ultimamente andam amando tanto a Psicologia que acabam fazendo um uso indevido de uma área de atuação que tem sido banalizada. Sim, banalizada. O que é diferente de ser popularizada, acessível a todos.

Vejam, meses atrás nossa categoria ficou bastante chateada com uma campanha de taxistas de uma região do nordeste que utilizaram slogans como: “O psicólogo está caro? Converse com o taxista”. Tiveram que se desculpar. Outro dia li uma reportagem num jornal on-line local que fazia a propaganda de uma academia em que a professora de sei lá que atividade física “dava uma de psicóloga” para manter suas alunas. E quem nunca ouviu frases do tipo:

– Não preciso de terapia, prefiro ir ao salão de beleza.
– Não preciso de terapia, prefiro conversar com um amigo.
– Não preciso de terapia, prefiro ir às compras.

Aqui, novamente, a lista seria imensa. É isso o que estou chamando de banalização da nossa profissão. E a pergunta que fica é: Por que cargas d´água as pessoas acham que pra ser psicólogo basta conversar bem, dar bons conselhos? E pior, por que raios as pessoas acham que podem usar disso para fidelizar clientes ou para qualquer outro tipo de finalidade comercial? Para essas pessoas eu digo: Nem nós que somos psicólogos usamos disso para fins comerciais… bem, talvez alguns.

Roendo os bofes enquanto pensava nisso, me veio a questão: o que nós podemos fazer para que nossa profissão não seja banalizada? O que falta fazermos para que as pessoas saibam que ser psicólogo não se resume a “conversar”? Será que o que falta é informação? Então, talvez haja um jeito de cada um fazer a sua parte e acho que a internet é uma ótima ferramenta para isso. Tem algumas coisas que eu gostaria de dizer.

– A Psicologia não é um Dom.

Parafraseando a tão injustamente achincalhada Simone de Beauvoir, ninguém nasce psicólogo, as pessoas se tornam psicólogos. E como se tornam psicólogos? Bem, para escolher o curso de Psicologia é preciso ter um mínimo de afinidade com a área de Humanas e é preciso gostar de ler, já que terá que ler muito na graduação e pelo resto da sua existência.

Não baseie sua escolha nesse curso caso as pessoas tenham te dito, desde pequeno, que você conversava bem. Pelo contrário, pelo menos na clínica, eu fugiria de um psicólogo que conversa demais. Além disso, trata-se de uma formação que exige cinco anos (no mínimo) de estudos teóricos e aprimoramentos práticos por meio de estágios e supervisões (até mesmo depois de formado).

– Não dá pra ser psicólogo como um “bico”.

Ser psicólogo, na minha humilde opinião, está para além de uma atividade profissional. Trata-se, antes, de um estilo de vida. Os psicólogos pensam como psicólogos, falam como psicólogos e trabalham, ufa, como psicólogos. Não é como um trabalho burocrático em que as pessoas desligam seus computadores no final do dia e vão pra casa serem elas mesmas. Ninguém é psicólogo nas horas vagas ou por hobby.

– Não estudamos Psicologia para entender A mente humana.

A mente humana como uma espécie de entidade não existe. É como dizer que ninguém nunca viu uma mente humana andando sozinha por aí. Dentro do curso de Psicologia há várias e várias teorias, cada uma com sua própria epistemologia, cada uma delas tentando explicar a complexidade que constitui o ser humano. Por que digo “tentando explicar”? Porque não existem verdades absolutas dentro de nenhuma ciência, então, nenhuma teoria psicológica deve ser tomada como A verdadeira explicação da mente humana. Algumas partem dos comportamentos, outras do inconsciente (minha preferida), outras do meio social, enfim, nem saberia falar de todas.

– Nem todo psicólogo tem clínica.

Vejam, nem todas as pessoas que se formam em Psicologia têm afinidade com a clínica. Muitos trabalham em outros âmbitos, como em empresas, escolas, hospitais, presídios, etc., ainda que para isso precisem ter uma abordagem teórica que lhes dê suporte e que guie sua atuação. A teoria é a forma como cada um escolhe enxergar o humano, a prática é como cada profissional, a partir dessa escolha, aplica as técnicas relativas a cada teoria.

Em geral tem dado certo. Então, não dá pra pedir “conselhos” sobre o que fazer com um filho rebelde a toda e qualquer pessoa que seja formada em psicologia. Aliás, não faça isso com nenhum psicólogo, porque nenhum dá conselho. Trata-se de um saber que só se constrói a partir da demanda de cada sujeito que procura ajuda.

Então, não dá pra sair por aí “dando uma de psicólogo”, é preciso ter uma formação para isso. O taxista não é psicólogo, a manicure e a cabeleireira também não, nem sua personal, menos ainda seu amigo. Temos nos esforçado muito para fazer com que a população respeite nosso trabalho e não dá pra aceitar esse tipo de uso indevido, nem que seja por uma “brincadeirinha”.

Pessoas que saem por aí dizendo que são “meio psicólogas” ou que andam “dando uma de psicólogo”, só parem. Eu digo não à banalização do nome da nossa profissão.

Não entrarei aqui na questão “o que faz um psicólogo?”, porque daí ficaria muito extenso, mas indico a leitura do documento elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia: As atribuições do Psicólogo.

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Psicóloga clínica, psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Fórum do Campo Lacaniano de MS. Revisora de textos na Oficina do Texto. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Despensadora da ciência e costuradora de palavras por opção. Autora dos livros Costurando Palavras: contos e crônicas (2012), Em defesa dos avessos humanos: crônicas psicanaliterárias (2014) e do romance Nau dos Amoucos (2017). Mãe do Adriano.

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