Quando entrei na faculdade, os garotos diziam para as garotas da classe: “Quando você nasceu, Deus lhe fez uma pergunta: você quer ser bonita ou entrar na faculdade de medicina da USP?” Embora soubéssemos que nos chamar de feias era uma brincadeira, restava ali uma mensagem subliminar: o caminho do sucesso fácil é para as moças bonitas e o árduo, pleno de esforço, para as feias.
À nossa volta e para a mulher, muitas situações corroboram a mensagem de que ser bonita é o caminho mais fácil para o sucesso e a felicidade na vida. Quantas modelos se tornam apresentadoras de programas ou se casam com homens ricos, famosos e poderosos como esportistas, artistas, grandes empresários e políticos!
Eu conversava com uma amiga recentemente, lembrando que há algum tempo isto ocorria para aquela que se tornava “miss”. Agora, estamos na era das top models. Estas ocupam os sonhos e fantasias dos homens e das adolescentes e jovens que buscam, às vezes desesperadamente, como é o caso das anoréxicas, se enquadrar no perfil que as levará para a felicidade rápida facilmente.
Há pouco tempo, vimos que uma modelo famosa foi considerada uma das mulheres mais ricas do mundo. Somando-se a isto o fato de ela ser jovem, estar sempre em evidência, atrair a atenção e a admiração de milhares de pessoas e já ter tido namorados famosos e até um galã de cinema, como não concluir que a vida dela seja um conto de fadas e até mesmo que ela seja feliz?
A questão que levanto é: mesmo a partir de poucos dados, quanto concluimos a respeito das vidas de indivíduos que realmente não conhecemos? Ou seja, as conclusões de que uma pessoa desconhecida é feliz é precipitada porque o número de eventos que observamos é ínfimo em relação à vida dela como um todo. Este é um tipo de pensamento linear que a publicidade usa e abusa, por exemplo, sugerindo à mulher a compra de produtos que podem fazer o milagre de atrair o príncipe encantado e a felicidade.
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Se eles fazem isto é porque funciona, ou seja, é porque as pessoas crêem nisto e assim, reforçam este comportamento, o que não seria um problema se não começássemos a ver jovens anoréxicas sofrendo e vindo a falecer por causa deste tipo de pensamento de que a sua magreza e beleza a fará feliz. Apesar desta não ser a única questão envolvida no problema, é preocupante e merece atenção.
Há modos de evitar a anorexia nervosa e o sofrimento absurdo das mulheres para alcançar a imagem ideal. Muitas vezes, as jovens estão tão mergulhadas no problema que não têm qualquer condição de discernir sobre o que é real ou imaginário, ou o que é saudável ou não. É real que a beleza facilita a vida e abre portas. Ela funciona como um recurso especial a mais que se tem, mas que sozinho não significa muito, pois precisa da sabedoria e da inteligência para ser bem administrado. É apenas um elemento em meio a uma série de outros que podem contribuir para compor a felicidade de alguém.
Eu me pergunto: como estamos educando as nossas filhas e explicando sobre como é a vida. Realmente, acreditamos que a vida seja fácil para as belas e difícil para as feias? E que a fama e o sucesso material ou até mesmo se casar com um rico, famoso ou poderoso garante a felicidade?
Os pais podem ajudar suas filhas a repensar estas mensagens recebidas no dia-a-dia, mostrando-lhes um pouco mais da complexidade e da relatividade da vida; podem neutralizar a força dos clichês, aprofundando o nível da discussão, ampliando a visão e tornando-a mais sistêmica. Ou, se observarem suas filhas caminhando perigosamente pelas questões de imagem física e peso corporal, e não se sentirem aptos para ajudá-las, podem buscar livros que ampliem sua visão ou profissionais médicos especializados e psicoterapeutas que o façam.
Escuto um pedido de socorro no ar e não consigo me fazer de surda. O sofrimento está grande e o culto à imagem, no nosso tempo, beira o absurdo, quando sabemos que ela não é capaz de dar tantas respostas assim. Precisamos nos mexer e cuidar das nossas mentes e das nossas jovens. As mortes delas nos convidam a discutir o problema e achar soluções. Vamos aceitar o convite?
(Autora: Dra. Elizabeth Zamerul Ally, médica psiquiatra, psicoterapeuta, especialista em Dependência Química e Codependência)
(Fonte: dependenciaecodependencia)
*Texto publicado com autorização do site parceiro.