No início do século XX, Freud cria o complexo de Édipo, pelo qual tenta entender a atenção libidinosa da criança dada às pessoas do sexo oposto no ambiente familiar, uma teoria que entende a subjetividade como um elemento fundamental do ser humano, envolvendo seus sentimentos. Por sua vez, Lacan, em seus estudos, entende que o interior da subjetividade envolve, desde o início, a presença da linguagem alheia.

No início do século XXI, Charles Melman e Jean-Pierre Lebrun constroem e analisam outro tipo de homem dentro de novos modos de subjetivação. Esse novo homem não saberia mais o que é desejar, ou seja, “parece ter sido engolido pelo consumo e pelo gozo”, como afirma Lebrun na entrevista abaixo. Confira:

Podemos falar de “novas psicopatologias” dentro dos novos modos de subjetivação?
Jean-Pierre Lebrun: Sim. Eu creio que podemos falar de novas patologias porque o discurso social atual não favorece a subjetivação. No fundo, a subjetivação é a reapropriação pelo sujeito da condição humana. Atualmente, no conjunto do que é proposto no discurso social, temos a impressão de que seria possível não ter de passar pelos constrangimentos da condição humana, o que de imediato suscita dificuldades particulares. Isso porque, por exemplo, os jovens tornam-se adultos de uma forma muito precoce e forçada. Assim, esses jovens adultos crescem, mas continuam como crianças, com atitudes e desejos típicos delas, o que cria uma série de dificuldades.

Então, uma forma atual de nova patologia é uma espécie de fuga à subjetivação. Não há forma de passar por um processo que envolve o subjetivo sem sofrer. Precisamos entender que esse é um sofrimento formador. Não há forma de avançar sem escolher, mas o problema está justamente em escolher, porque significa renunciar àquilo que se deixou de para trás, no caminho não seguido.

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Alguns sujeitos preferem ficar alheios a tudo isso. Isso é o que, de certa forma, se dá quando nos convidam para um discurso consumista. Eis aí a dificuldade de conviver e compreender a subjetivação.

Freud criou o complexo de Édipo como representação da fase do crescimento de qualquer ser humano, com o desejo de se desenvolver, sexualmente, com o genitor do sexo oposto. Isso também representaria o sentimento de rivalidade em relação ao genitor do mesmo sexo. A análise sobre esse mito, no mundo contemporâneo, guarda ainda relação com essa interpretação psicológica?
Jean-Pierre Lebrun: Sim, Édipo continua sendo um personagem contemporâneo. O Édipo para crescer, como você disse, precisa sempre se separar do primeiro objeto, que é a mãe. Para isso, somos ajudados pelo fato de que outro alguém ocupa esse lugar para a mãe, e esse outro alguém é a figura do pai. Então, esse pai ajuda a criança a se distanciar, a se separar da mãe. Esse é o Édipo.

O Édipo freudiano é atribuído, com bastante importância, ao pai, porque no patriarcado esse pai tem uma legitimidade. Esse pai tira a sua autoridade do patriarcado. O Édipo freudiano, entretanto, não é de todo atual porque o patriarcado caiu.

No Édipo, de acordo com Lacan, não é o pai que separa a criança da mãe. É a linguagem a responsável por essa separação obrigatória. É para poder falar que nós devemos, finalmente, renunciar ao fato de estar junto desse objeto primeiro, que é a mãe. Esta representa justamente aquilo do qual precisamos nos distanciar ou abandonar. Isso revela uma dimensão universal à interdição do incesto sempre em vigor. Esse Édipo, portanto, é sempre atual.

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Em que medida a teoria da subjetivação e sexuação inconsciente, determinada pela constelação representacional fálico-edípica, pode ser considerada como um postulado universal?
Jean-Pierre Lebrun: Isso se une ao que eu respondi a respeito da permanência da proibição do incesto. Porque entrar no fálico, para Lacan, é entrar na linguagem, ou seja, ambos representam o mesmo sentido e movimento. Por isso, a entrada na linguagem supõe a separação com o objeto primordial e isso para os dois sexos. Logo de princípio, da mesma maneira, sabe-se que menino e menina têm trajetos diferentes. Mas, num primeiro momento, tanto o menino como a menina precisam renunciar a ser o objeto de amor da mãe e renunciar à mãe como objeto. Isso deve acontecer nos dois sentidos.

O masculino e o feminino freudianos e suas versões neuróticas continuam a ser moldados pelo Édipo clássico?
Jean-Pierre Lebrun: Sim e não. Sim, porque os sujeitos têm sempre relações com as mesmas questões. E não porque não há mais papel social que venha dizer o que deve corresponder homem e mulher, originando uma dificuldade suplementar para ambos.

A mulher tinha o hábito de se regular por aquilo que seu homem esperava dela. Essa era, em parte, a sua tarefa. Já o homem se sustentava sobre a ideia genérica do que era ser homem para se dirigir a uma mulher. A mesma atitude ele tomava também para escolher e se aproximar daquela que desejava.

Atualmente, não existe mais o homem, pelo menos não aquele homem descrito anteriormente. Consequentemente, cada homem procura a maneira de se desvencilhar deste problema. É uma dificuldade para ele, mas também é um grande problema para a mulher, pois, de repente, ela já não sabe mais o que um homem espera dela.

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Como o senhor diferencia o homem analisado por Freud no século XX e o homem desenhado pelo senhor e por Charles Melman?
Jean-Pierre Lebrun: Com certeza, esses dois homens são comparáveis. O homem de Freud era um neurótico, alguém que não sabia como orientar seu desejo. O homem de Freud era aquele que vinha dizer ao analista: “Eu tenho uma mulher e uma amante e não sei qual escolher”; “Eu não sei qual profissão seguir”; e “Eu não sou bem sucedido na profissão que escolhi seguir”.

Já o discurso atual que o homem contemporâneo passa ao seu analista é diferente do discurso do homem analisado por Freud. Claro que há ainda neuróticos. Há ainda aqueles que vêm dizer isso, mas o sujeito dessa nova economia psíquica vem dizer algo diferente. Esse novo sujeito diz: “Eu não sei mais o que é desejar”. O homem contemporâneo sabe o que é consumir e está numa relação na qual parece ter sido engolido pelo consumo e pelo gozo, não constituindo essa separação que lhe permite sustentar um desejo. Então, não é mais um simples neurótico.

Por consequência, surgem novas questões: “O que esse homem é realmente?”, ou “Será que ele é neurótico?”. Não simplesmente. “Será que ele é perverso?”. Realmente, também não, porque ele não é constituído como o verdadeiro perverso. Ele está mais se protegendo da subjetivação, da qual tem medo, e vive sem pagar o preço dela. Ele se arranja, se protege, se mexe, se vira, mas não se engaja verdadeiramente. E o fato é de que esse homem contemporâneo não sabe que não se engaja verdadeiramente. Não é, de todo modo, portanto, o mesmo sujeito neurótico analisado por Freud.

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Jean-Pierre Lebrun nasceu na Bélgica, onde formou-se em medicina psiquiátrica. Atualmente, é membro da Associação freudiana da Bélgica, que reúne os membros daquele país com os da Associação freudiana, criada por Charles Melman na França. Também é membro da Associação lacaniana internacional. É autor de Um mundo sem limites e de uma entrevista em parceria com Charles Melman, intitulada O homem sem gravidade, ambos os livros publicados pela Companhia de Freud. Assista abaixo à conversa entre Melman e Lebrun sobre o “teatro da vida”, o desejo das pessoas de se fazerem reconhecer pelos semelhantes.

(Fonte: fronteiras)

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